Riacho (en)cantado
Geraldo Brindeiro é assessor do deputado Luiz Couto. Em toda reunião onde vai, ele canta o xote “Riacho do Navio”, música de Zé Dantas e Luiz Gonzaga que fez muito sucesso nos anos 50. Muita gente fica olhando fixo nos olhos de Geraldo, para ver se o constrange, mas ele nem liga, porque na sua consciência de classe vai buscar na singeleza dos versos da canção popular nordestina a esperança de transformar esse País em um lugar decente para um povo tão digno, apesar de sua elite dirigente indecorosa.
O gentil Brindeiro distorce a letra da canção do velho Lula Gonzaga só para dar uma força ao movimento de rádios comunitárias:
Pra ver o meu brejinho
Fazer umas caçadas
Ver as pegas de boi
Andar nas vaquejadas
Dormir ao som do chocalho
E acordar com a passarada
Sem rádio, sem notícia da rádio comunitária.
No mesmo ritmo do xote, meu considerado professor Benjamim, itabaianense ilustre que mora em Campina Grande, também bota o povo pra cantar e dançar, iluminando o que merece aparecer para a juventude a quem instrui com sapiência. Foi numa aula sobre nossa origem negra, a opulência da cultura africana que nos foi legada pelos escravos, tudo desaguando no grande rio do conhecimento e costumes brasileiros. Comentando sobre os notáveis músicos negros, os alunos foram citando desde Jackson do Pandeiro a Martinho da Vila, de Pixinguinha a Cartola, da genialidade de um Luiz Gonzaga ao lirismo desconcertante de Djavan, do samba autêntico de Paulinho da Viola ao molejo de Dorival Caymmi, referindo-se ainda a João do Vale, Lupiscínio Rodrigues e tantos outros.
Para ilustrar a aula, o mestre original convidou os alunos a cantar uma música de um autor citado.
─ Ganha dois pontos quem cantar aqui, na frente.
Depoimento do próprio Benjamim, mestre na Universidade Estadual da Paraíba: “Um aluno e duas alunas se apresentam. Cantam “Riacho do Navio”, se encantam e, no meio da música o rapaz tira uma colega para dançar. A turma alegra-se. O professor se empolga, faz do birô uma zabumba. Haja xote! Encerrada a música-dança, a aula volta ao normal. O clima é prá cima. Há entusiasmo”.
Foi criada a aula-dança. O professor se pergunta: “há significado pedagógico neste ato?” O trabalho pedagógico requer a oferta de estímulos externos, já dizem os estudiosos da ciência da educação. No circo armado na sala de aula, diferente do que embrutece e hipnotiza, “há congraçamento e amizade no ato de aprender”. A preleção lúdica do professor Benjamim, substituindo a análise fria pelo júbilo e prazer da dança e da música, lembra meu eterno professor Idalmo da Silva nos anos 70 em Itabaiana, saindo da sala de aula diretamente para o boteco para continuar suas palestras didáticas sobre política, sexualidade, literatura etc. Ousadia que lhe valeu a expulsão do Ginásio Estadual.
Um dia, Idalmo achou de cantar uma modinha antiga para explicar um conteúdo. A diretora foi até a sala:
─ Está dando aula? O que está havendo aqui?
Como se o que o professor estava fazendo não fosse aula. Ainda bem que temos professores não acomodados como Benjamim, dando seu show de educador em atitudes restauradoras, longe do quadro-negro e da mediocridade.