BOCA CHEIA DE FORMIGA

Considero a presença de espírito e o senso de humor como duas das melhores qualidades do ser humano. Infelizmente eu quase nasci destituída da primeira, ou seja, se algo me acontece, em vez de fazer uma piada ou de eu dar um respostão, fico abestalhada, me dizendo: Ah, é? Ah, é? Meia hora depois é que eu vou “acordar” para o que eu poderia ter dito. Oh, raiva!!

Recentemente, conheci três jovens universitários. Deles dois têm incrível senso de humor e o terceiro é o protagonista das gozações que passarei a relatar abaixo. Por razões óbvias, mudei os nomes dos personagens e os chamarei de: Bolinha, Manelão e Tisiu. Também não informarei o local onde residem, naturalmente.

“Tisiu, como é que vai aquela “bagaça” daquele bairro onde você mora? O pessoal anda vendendo muita Kriptonita (pedra de crack), por lá?”, perguntou, Bolinha. Em resposta, Tisiu apenas riu, expondo dentes muito alvos.

Percebendo que eu assistia à conversa, Bolinha voltou-se para mim e começou a me apresentar a biografia de Tisiu: “Professora, esse é o maior representante de todas as minorias: é afrodescendente em todas as células, é judeu não circuncisado, ainda acha que Hitler estava certinho, tem carências homoafetivas, e vai ser o primeiro graduado financiado pelo tráfico do bairro onde ele mora.”

Cai na besteira de perguntar onde era esse tal lugar, mas Bolinha preferiu apenas me dar alguns detalhes sórdidos: “Ele mora num bairro que deveria se chamar Cracolândia, um local que se divide em duas partes: o lado dos que vendem pedras de craque e o lado dos que as consomem. Tisiu começou a trabalhar como mula, entregando pedra nas casas dos bacanas, mas evoluiu e hoje é GERENTE... das outras mulas, mas é!”.

Olhei para Tisiu, que continuava rindo divertidamente. Manelão entrou na conversa: “Mas hoje Tisiu mora bem.... bem no meio do valão, onde fica o foco dos mosquitos da dengue. Só que ele mora no lado dos que vendem pedras, em frente ao CESA- Centro de Entretenimento Sexual para Adultos (prostíbulo)”

Revezando, Bolinha atacou: “O lugar que ele mora é feio, mas o pessoal adora futebol. Eles têm dois times: os “Pernas de pau” e os “Quebra-pernas”. Quando há jogo, enquanto eles se divertem a cidade fica em paz, ninguém rouba, ninguém mata, ninguém trafica... depois, o time que perdeu toca terror no bairro e na cidade. Por isso, a polícia fez um pacto com os times: todos os jogos têm de dar empate.”

Manelão resolveu oferecer detalhes da infância de nosso protagonista: “Professora, quando esse negrinho era pequeno, ele era tão magrinho que o chefe da boca de fumo mandava ele entrar nos canos das armas para lubrificá-los por dentro. Era tão esquelético que para fazer o sinal do Pai ele levava a mão direita à testa, e encostava os dedos duas vezes em cima da barriga, porque nem tinha ombro para fazer o Filho e o Espírito Santo.”.

Eu olhava a carinha de Tisiu e percebia que ele se divertia com a mentirada (só podia ser!!) e comecei a rir de verdade. Bolinha continuou dando informações: “Teacher, no bairro onde ele mora há apenas uma escola. Quando a professora vai dar redação ela escreve no quadro temas assim: ESCREVA SOBRE SUA PRIMEIRA CICATRIZ ou O QUE VOCÊ GOSTARIA DE SER, SE TIVESSE CHANCE DE CRESCER?

Voltei-me para Tisiu e perguntei-lhe: Por que você deixa os seus amigos zoarem você assim, menino?Ao que ele respondeu: “Deixe estar, professora, depois esse pessoal amanhece com a boca cheia de formiga e não sabe por quê.”

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 09/10/2009
Reeditado em 19/11/2014
Código do texto: T1857337
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