DONA ENXADA ... CRÔNICA DEDICADA AO LAVRADOR
Dentre os instrumentos primitivos que resiste ao avanço tecnológico, está dona enxada, única a não ser destituída completamente do seu posto. Todos os demais instrumentos rudimentares a partir do carro de boi caíram em desuso. Poderíamos citar centenas, muitos dos quais nem chegaram a ser conhecidos da atual geração. A enxada, com sua humildade, durante muitos séculos, foi responsável pelo pão nosso de cada dia. Lavrando a terra fora ela que alimentou do Rei ao mais humilde dos súditos. Atualmente ela já pode gozar certo privilégio trabalhando menos, nos jardins, hortas caseiras, medicinais, no arremate da construção civil, e outros locais onde sua utilização é indispensável.
Certa noite enquanto descansava num canto de sala de uma centenária casa grande, uma velha enxada resolveu retroagir no tempo, fazendo uma retrospectiva de sua trajetória. Começou pelo dia em que foi retirado da loja novinha em folha, ostentando em sua face um belo jacaré, o mais famoso logotipo de sua prole. Mais tarde enfiaram-lhe um pau de tambú no olho, meteram-lhe uma cunha... Até ai tudo bem. No dia seguinte levaram-na a beira do riacho, esfregaram sua boca a uma grande pedra, afiando-a tanto a ponto de eliminar até um fio de barba que surgisse em sua frente. A partir daí foi só trabalho e mais trabalho, ora no roçado ora na limpeza das fornalhas do engenho. Jogada aqui e ali pelos terreiros. Muitas vezes alguém gritava; - me traga a enxada, tem uma cobra enorme aqui no terreiro! Lá se ia à pobre esmagar a cabeça da serpente. Até merda de criança teria que ser retirado por ela.
Vida dura, a vida de enxada. Enquanto a caneta do patrão andava toda chique pelas cidades, assinando papeis importantes, ela, se arrastava pelos chiqueiros se lambuzando de toda a espécie de porcarias.- Mas não há de ser nada, um dia terei minha gloria, assim pensava ela, lá com seus botões.
Ao raiar do dia, começou a grande movimentação na fazenda. Peões espalhados por toda parte, o capataz dando ordens, distribuindo gente por todo lado em várias tarefas. Logo alguém veio reclamar faltava um martelo, e sem ele, a cerca de arame, não poderia ser construída. De imediato o capataz olhando para o canto da sala,exclamou: -Veja esta velha enxada, já deu o que tinha de dar! Leve-a no torno, corte suas laterais e faça dela um martelo...!
E assim terminou a jornada daquela pobre enxada, que nuca tivera férias, ajudando tanta gente.