Quando o telefone toca de madrugada...
Telefonemas no meio da madrugada sempre assustam, a menos que a pessoa esteja acostumada a isso.
E assustam ainda mais quando se trata de um daqueles falsos anúncios de sequestro. Por mais que a gente saiba que são falsos, sempre fazem a nossa adrenalina subir a mil!
Conheço uma senhora que, coitada, até já teve que mudar o número do seu telefone, de tanto que já tentaram aplicar esse golpe nela.
E eu a entendo perfeitamente. Porque, mesmo eu não tendo filhos, já tentaram me aplicar esse 171 uma vez e a adrenalina quase espirrou pelas minhas orelhas afora. De raiva e indignação.
Cinco e meia da matina, toca o telefone. Levanto esbaforida e atendo. Uma voz chorosa em falsete diz lá do outro lado:
-- Mãããeee, sou eu, sua fiiilhaaa... eles me sequestrou, mãããeee...
Injuriadíssima, tanto pelo sono interrompido, como pela cara de pau da bandidagem, vou logo dizendo bem brava:
-- Corta essa, eu não tenho filha.
Breve silêncio. Quando ia desligando, ouço uma voz de rapaz igualmente chorosa:
-- Mãããeee, é o seu fiiilhooo...
Nem espero pelo resto e digo mais brava ainda:
-- Eu não tenho filho tampouco. E vai tra-ba-lhar, vagabundo!
E desligo impublicável da vida, como diria a prenda nossa.
É muito desaforo desses bandidos! Nada justifica essa malandragem!
Bons tempos aqueles em que telefonemas no meio da madrugada significavam duas coisas -- ou vinha uma péssima notícia verdadeira, ou era engano.
Esse foi o caso com a minha mãe, poucos meses depois que havíamos nos mudado pra Brasília.
Toca o telefone no meio da madrugada e ela corre pra atender com o coração aos pulos querendo sair pela boca, imaginando metade da família morta e a outra metade telefonando, de lá do Rio ou de Porto Alegre, pra dar a notícia. Atende com a voz trêmula:
-- Alô-ô-ô?
Do outro lado, uma voz de peão diz apressada, entre os ruídos do interurbano:
-- Os boi e as vaca já foi tudo.
E dito isso, desligou sem nem mesmo esperar pela resposta.
E não, minha mãe não era, não é e nunca foi fazendeira e muito menos negociante de bovinos.
Mas esse engano significava que a família toda estava viva e inteira, graças ao bom Deus!...