MENOR ABANDONADO
Meu trigésimo quinto carnaval acaba de acabar. Tenho um cargo público fixo, uma casa pra morar e um carro pra me levar nos bares, parques e peças teatrais - se bem que a vida já é um ensaio mal acabado de um espetáculo ridículo de pobreza cultural. Logo numa quarta feira de cinzas, minha mãe me chama para um diálogo e diz pesarosa:
- Meu filho, deixe de ser tolo, já está na hora de formar família, me dar netos e se acalmar um pouco mais.
- Mãe, eu já sou calmo. Nesse caso você está querendo que eu morra, não é?
De fato, sou um velho que vive em meio aos jovens – hoje em dia os homens de trinta anos já são barrigudos, mal humorados, alienados por sede de emprego e no mínimo, a média é cada um ter pelo menos três filhos. Hoje em dia foder é muito fácil! Mas só os tapados não conseguem evitar filhos. No mesmo tempo em que as mulheres abrem mais as pernas, os cientistas fecham mais seus ventres.
Pois é... vivo em meio aos adolescentes irresponsáveis, dentro de uma puberdade infindável. Isso é perfeito. Atravesso todas as gerações sendo um eterno moleque, uma criança, um menino eterno já sem mãe, pai ou filho algum. Por isso, tão só por isso sou um estúpido? Idiota sou eu: o menino, aquele que nunca cresceu e nunca vai vencer e se dar bem na vida, assim sou eu? Garanto que sou muito mais!...
... A mais dolorosa das enfermidades é você ter que lutar contra o seu talento. Por duas coisas: pela necessidade de sobreviver e pela culpa dos olhos que estão cegos.
Se meus velhos amigos me abandonaram, não é porque sou criança e não cresci. É simplesmente porque não consegui acompanhar a sina de um dia ser desprezado pela vida e se tornar um velho rabugento! Antes ser amigo a ser pai. Jamais xingaria ou bateria num filho meu. E se ele fosse um idiota ou um criminoso? No mínimo a culpa seria minha. Mas se fosse por opção própria dele? O desprezaria. O desprezo é o golpe mais sangrento que existe...
... Estúpidos são os adultos. Não porque envelheceram, mas porque perderam a essência da infância.
- Meu filho, você está de ressaca ainda do porre carnavalesco: tragos, drogas, sexo e insônia...
- Tudo bem minha mãe, um dia eu abandono os carnavais. Sei que são prazerosos, mas sem futuro... agora não queira roubar ou que eu deixe órfã a minha infância. Isto, nunca!
- Tome meu filho, tome isto meu filhinho. É água de côco batido no liquidificador com gengibre. Ótimo pra ressaca e recuperação da sanidade.
- Que nada minha mãe... bom mesmo pra curar ressaca é outra cerveja bem gelada, ou vinho, ou conhaque, ou uísque...qualquer coisa que embriague-nos.
Prefiro acreditar no poeta vira-latas Henrique Diógenis, quando ele disse que “é na embriaguês que os homens se encontram. Só na embriaguês os homens se chocam e conseguem se igualar publicamente. A sobriedade é uma forma de esconder o caráter humano. Repare uma sala de aula: lá todo mundo quer ser o maior sábio e cientista do mundo. Quando correm para o bar da esquina e começa a bebedeira, se inicia o bacanal e de dentro de todo mundo salta um palhaço estúpido e sem graça que começa a rir de suas caras feridas e confusas.”
O homem é um produto muito barato, já a infância é impagável: quando morre, é porque foi furtada pela razão e pela burrice do homem...
Para se ter noção, ninguém paga para nascer a não ser o desejo dos pais em terem um bonequinho de carne e osso ou a irresponsabilidade de dois idiotas que fodem em troco de um prazer que pertence só aos seus corpos. Lembro dos versos de Henrique Diógenis quando ecoou:
Um filho não vem de uma única noite/ Deve ter muita preparação/ Um filho não nasce da barriga / Nasce do coração!
... Todos os diabos nascem em noites sombrias e solitárias.
- Afinal minha mãe, a senhora já viu alguma criança bêbada.
- Só você, meu filho. Desde os oito anos já curara tuas ressacas.
- Ali não era bebida minha mãe, era minha revolta que já gritava desde cedo e me fazia zanzar por aí. Tchau... aproveita e me prepara calabresas com torradinhas e manda deixar no boteco do portuga Manuel. Hoje, e acho que pelo resto da vida, estarei hospedado por lá. Beijos... eu te amo minha mãe!