Por Uma Balinha

- Ô tio! Ô tio!

- Tio o cacete, moleque! Sua mãe não é minha irmã e seu pai você nem deve conhecer. Então, pára de me chamar de tio.

O garoto franzino e mal vestido lançava um olhar entristecido ao comerciante atrás do balcão, enquanto falava. Não que estivesse triste naquele momento, por conta da resposta do homem, que a ser tratado com rispidez e violência ele já se acostumara. Mas porque o olhar triste já era um hábito. Com aquele olhar aprendera, que a aproximação das pessoas tornava-se mais fácil. Conseguia, assim, transformar o medo em piedade, pena. Daí, para pedir um trocado ou qualquer outra coisa, era um passo.

Ele insistia:

- Tô querendo um remédio pra dor de cabeça. Me vende um aí!

O sujeito abriu uma gaveta, pegou um envelope de analgésico e colocou sobre o balcão.

- São dois reais.

O menino tirou algumas moedas do bolso, contou-as lentamente e estendeu a mão pequena e magra, entregando o dinheiro ao outro.

- Só tenho isso!

Recolhendo as moedas, o comerciante torceu o nariz e respondeu grosseiro, em voz alta:

- Só tem um e oitenta, aqui! Não dá!

Assim falando, devolveu as moedas ao petiz, que ficou olhando para elas, parecendo não compreender muito bem a situação.

- Olha aqui, ô pivete, com esse dinheiro que você tem, eu posso te vender umas balinhas, tá bom? Melhor, eu te dou uma balinha. Só pra você ir embora. Quer uma balinha, pra sumir?

- Mas, tio, eu não quero balinha. Eu to com dor de cabeça. Quero é o remédio, mesmo. O senhor me deixa eu ficar devendo, que eu vô dá um rolê e ganho mais algum e trago depois.

O homem irritou-se. Na verdade, a presença do garoto o incomodava. Ele não queria vender nada, queria apenas que o menino fosse embora. Sentia-se desconfortável diante da miséria infantil, representada, naquele momento, por aquele jovem.

- Quer saber? Pegue suas moedas e vá-se embora daqui! E se voltar, eu vou te levar lá nos fundos da mercearia e vou te moer de pancada!

O garoto abaixou a cabeça, enfiou a mão que não carregava as moedas, no bolso das calças surradas, tirou uma bala de revólver, calibre trinta e oito e mostrou ao homem, agora olhando-o nos olhos.

- Se o senhor não quer meu dinheiro, tio, então eu é que vou dar uma balinha pro senhor. E é essa aqui, ó! Vai bem na sua cara, falô? Vai ser amanhã!

E saiu correndo.

O comerciante apoiou as mãos no balcão, balançou a cabeça negativamente e resmungou:

- Pivete filho da puta! Atrevidinho. Esse tá ferrado na vida. Mais um bandidinho pra levar porrada da polícia e lotar cadeia.

E continuou seu trabalho, sua vida.

Continuou, pelo menos até o final do expediente do dia seguinte.

Quando a polícia chegou, o corpo já estava frio. Somente um tiro na testa. Certeiro. Morte rápida.

O comentário do policial que atendeu o caso:

- Não roubaram nada. Isso foi execução. Ele devia estar envolvido com traficantes. Isso é dívida de droga. Eu tenho experiência. Não erro nunca.