À Sombra dos Araticuns

À sombra dos araticuns

Hoje, em uma conversa, em realidade uma troca de scraps, as onipresentes mensagens eletrônicas, uma pessoinha muito especial falou-me da possibilidade de que as minhas crônicas, e tambem o meu poetar estar vindo a reboque de uma onda gigante de tristeza que ameaçava me engolir.

Ao invés de refutar a observação feita, recolhi-me à minha condição de cronista hebdomadário; e lá fui eu, de pronto, achar-me nas águas do rio Real, com uma vareta achada a esmo, enfiada no fundo raso; eu tinha nítida impressão de que a varinha andava ao longo do Rio, me levando junto...

Só me retirava daquela experiência, daquele estado de quase sonho, quando visualizava os pés de araticuns na outra margem do rio. Mesmo quando não havia frutos, o cheiro peculiar da árvore me era por demais atrativo, além do que, ela também servia como cobertura para proteger os viventes da inclemência do sol daquelas paragens sertanejas.

Os mais velhos nos diziam que, nas lagoas próximas, havia enormes jacarés, e nós, ao invés de sentirmos medo, ficávamos levantando os bulbos, com suas coroas de flores com variegados tons de rosa, que protegiam as águas tépidas, usando bambus como espadas, à caça do famigerado monstro.

Anos depois, quando me mudei para o estado da Bahia, senti o primeiro corte na alma: a falta que me fazia o que compunha a riqueza de atividades do meu cotidiano anterior, no Sergipe, que consistia de brincar de construir fictícias estradas de rodagem, fazer carruagens de caixa de fósforos puxadas por lagartixas, moldar boiadas de argila, e de noite a ciranda com as meninas, a brincadeira de roda, de “Bom Vaqueiro” e, entre todas, a que mais me encantava: a brincadeira da passagem do anel; a frase mágica – “Guarde este meu anelzinho bem guardadinho”. Eu ficava sempre esperando que aquela menina de longas tranças deixasse o anelzinho em minha mão.

Não me lembro de nenhuma vez isso ter acontecido (de ter sido o feliz depositário do anel mágico), mas, só o calor de suas mãozinhas passando entre as minhas já me deixaram a senha do tipo de amor que eu deveria buscar sempre na vida – quente, profundo, e sem reservas. Caso contrário, não é Amor – é apenas e tão-somente um simulacro.

Crônica escrita numa noite quente de Sexta-Feira, em que deixei a minha alma viajar como uma casca de noz em mar revolto, buscando, num rasgo de quase desespero, o farol indicativo das terras de Pasárgada.

Vale do Paraíba, Outubro de 2008

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 08/10/2009
Reeditado em 06/09/2019
Código do texto: T1854370
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