Desconstruindo o AMOR

    Eu às vezes tenho um sonho estranho. Não é comum uma pessoa ter um sonho exatamente igual todas as noites. Ok, não são todas as noites, mas várias vezes eu já tive o mesmo sonho. Nele, eu abraço uma menina sem rosto. Tudo vai bem até que ela começa a derreter. Não sei bem, como se ela fosse feita de argila, ou algo parecido. Só sei que ela simplesmente começa a escorrer pelos meus braços. Eu fico desesperado e fico tentando segurar as partes derretidas. Aquilo vai me dando uma agonia! Quanto mais eu a abraço, mas ela se dissolve e escorre pelos meus dedos. E eu fico cansado toda vez que tenho este sonho estranho.
    Foi então que certo dia, sentado à uma mesa da praça de alimentação de um shopping center, eu me peguei observando um casal de namorados. Eles se beijavam, se acariciavam. E tinham aquele sorriso idiota que temos quando estamos apaixonados. Pareciam ali, as duas pessoas mais felizes do mundo. Ele segurando sua mão. Ela acariciando seus cabelos. Provavelmente era o primeiro ou segundo encontro dos dois. Como eu sei disso? Não sei. Só acho que se fossem namorados há pelo menos dois ou três anos, não estariam naquele chamego todo.
    É fácil ver um casal que está começando. No cinema, eles simplesmente não olham para o filme. Ficam se abraçando, se beijando e só vez ou outra olham para a telona. Chega a ser engraçado. Ou então, no ônibus, é fácil ver aqueles casaizinhos de escola. Eles ficam se abraçando, ele sempre beijando, tocando, como se necessitasse mostrar que estava ali, que a ama.
    Mas uma hora isso se vai. É a chamada fase da paixão. A fase inicial, aonde nós movemos mundos e fundos pela pessoa que estamos. Sempre queremos mais, sempre queremos ultrapassar barreiras, sempre queremos ser mais do que realmente somos. Queremos ver todos os dias, ligar toda hora. É uma fase que, apesar de dependente demais, é gostosa. É a paixão. No caso, acho que essa fase rola muito da insegurança. Por sermos inseguros por natureza, achamos que podemos perder a pessoa a qualquer momento, e, num termo meio esdrúxulo, precisamos marcar território.
    Porém com o passar do tempo, a paixão vai dando lugar a algo mais genuíno. Algo que todo mundo diz sentir, porém que poucos conhecem seu verdadeiro significado: o amor. Nessa fase as coisas estão mais sérias. Nos sentimos, digamos “mais em casa”. Mesmo com certa insegurança, nessa fase conhecemos melhor nosso par. Mas também, justamente por isso, acaba aquela “melação” toda. Eu sei que muitos casais conseguem se manterem melosos durante anos à fio. Mas são os casais que, de todo modo, passaram por dificuldades no começo de tudo, e parecem, quando juntos, finalmente terem encontrado o final feliz sonhado.
    Quando o amor chega, muita coisa acaba. No cinema, o filme é o que importa mais. E não tem aquele lance de ligar toda hora. Ligamos no máximo para comprar azeitonas ou algo que esquecemos. Já não trocamos beijos apaixonados. Os beijos que no início duravam cinco, ou até dez minutos, viram bitoquinhas que se chegam a dez segundos é muito.
    Não é que o amor esfrie as coisas, na verdade ele apenas nos acostuma, nos torna confiantes, e não rola mais aquele lance de querer tornar a pessoa mais apaixonada. De querer mostrar que estamos ali, apaixonados para sempre. Como diz a música “Por enquanto”, o pra sempre, sempre acaba.
    Pior é quando o amor se vai. e você já sente que não sente mais nada pela pessoa. Todo mundo já passou por uma situação desta. Um período de dúvidas sufocantes que nos faz questionar se vale a pena ou não seguir. Você começa a relembrar e fazer um balanço de tudo. Relembra de tudo que viveu. De tudo que ganhou, que perdeu. Dos momentos bons e com certeza dos momentos ruins também. Pior que, enquanto isso, você ainda tem que continuar com a pessoa ao seu lado. Aturando suas manias, suas reclamações. Continua pois ainda não terminou seu balanço. Você já não sai de casa, seu sofá torna-se seu melhor amigo. Você já se irrita com tudo que a outra pessoa faz. Você já começa a dar desculpa para simplesmente não estar ali. Os momentos que você queria estar perto da pessoa, viram momentos quais você só quer descansar, deitar e ouvir música. Fechar os olhos e se imaginar flutuando sobre um imenso oceano. Se sentir livre.
    Você tenta pedir conselhos para parentes e amigos. Mas sente que seus conselhos não são muito úteis. São conselhos de pessoas que não entendem, ou que ao menos não sabem o que você sente. Sempre dizem para você pensar, que não vale a pena, que será difícil arranjar alguém parecido. Apesar de sensatos, tudo soa como uma imensa montanha de besteiras piegas. Tudo soa como frases feitas.
Você se vê sozinho. A solução mais cabível é conversar com o par, e explicar o que está sentindo. Mas e a reação? Nunca sabemos a reação dos outros. Somos uma mistura de sentimentos explosivos. Uma caixinha de surpresa que pode ser aberta de segundo em segundo, porém a surpresa será sempre surpreendente.
    Próximo ao clímax das decisões, o balancete da relação retorna. Você pensa nas coisas quais irá sentir falta. Pensa na família da pessoa e dos membros que te adoram. Pensam nos animais de estimação, se a pessoa tiver. Pensa na companhia maravilhosa que poderá estar perdendo, como se estivesse trocando o certo, pelo duvidoso. O maldito duvidoso.
    Uma coisa é certa. O amor não pode ser desconstruído. Cada um sente de uma maneira, e conselhos sobre esse tema só podem ser dado a nós pela nossa própria consciência. Só nós nos entendemos. Só nós mesmos sabemos como devemos agir, e tudo é uma questão de tempo. Tudo é uma questão de nossa avaliação interna. Quando ela acaba, tomamos nossa decisão.
    Certo dia, tive aquele sonho de novo. Novamente abraçava a menina sem rosto e ela começava a derreter. Eu tento segurar suas partes e elas escorrem por dentre meus dedos. Desta vez, eu deixei pra lá. Deixei que derretesse e não tentei segurá-la. Por fim, sumiu da minha frente, deixando apenas um rastro de lama no chão do jardim qual nos encontrávamos. Acho que no fundo eu sabia que há certas coisas que por mais que tentemos evitar ou salvar, se forem para acontecer, não podemos evitar que aconteçam. Elas então se esvaem...


                                                           FIM
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 07/10/2009
Reeditado em 18/05/2010
Código do texto: T1853873
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