Observador urbano I
A moça vinha em passo apressado pela calçada. Notei mais pelo som insistente dos tamancos e pelo cheiro pegajoso do perfume que pela sua presença física. Uma criança de três anos, agarrada com dificuldade numa das mãos dela, tentava acompanhar o passo frenético dessa mãe. No outro braço da mulher havia um minúsculo cãozinho branco de pelagem parecendo espuma de barbear.
Em certo momento a criança tropeçou e ralou um dos joelhos contra a calçada, arrancando-lhe algumas lágrimas silenciosas.
- Presta atenção por onde anda, merda! – A mulher grita abruptamente, içando a criança como uma trouxa que escorrega dos ombros. – Parece que é retardada!
A criança, diante da avalancha de vitupérios, recolhe-se num pranto engasgado, ainda correndo para tentar emparelhar o passo com a mãe.
- E engula esse choro, peste! Hoje eu não to legal!
Dizendo isso, a mulher apressa mais o passo, obrigando a criança a correr aos tropeços para não acender, novamente, a ira da mãe.
Instantes depois, surge um garoto vindo em direção contrária, levando um cachorro “linguicinha” pela coleira. A presença deste enfurece o pequeno poodle no colo da mulher, fazendo-o latir veemente e tentar se libertar do abraço de sua dona. Os latidos eram agudos como disco arranhado e rápidos como disparos de metralhadora. Um som que levaria qualquer pessoa séria a loucura.
- Calma, amorzinho, é só um irmãozinho. – A mulher sussurra amavelmente ao seu poodle, acariciando-lhe a cabeça. Algo em sua constituição dava-lhe o desagradável aspecto de rato. – Mamãe tá aqui, fica calminho.
Mas ele não ficou calminho. Continuou a latir descontrolado, debatendo-se como em frenesi. Seu latido parecia encher a rua, a cidade e o mundo. Acelerei o passo para livrar-me daquele infortúnio.
Antes de virar a esquina, notei a mulher entrando num mercado.
- Fica aqui! – Gritou para a filha à porta do comércio. – Não saia daqui, senão te dou umas bofetadas!
E adentrou a loja ainda acariciando e beijando a pelagem branca do seu lindo poodle. Teria ela notado a placa de “proibida a entrada de animais”?
Talvez sim...