A VARANDA

Chego ao final da vida na certeza que passei parte dela debruçado na varanda. Os versos que agora escrevo, criados são debruçado na varanda. Rotineiramente e religiosamente debruço-me na varanda pela manhã para observar a saga dos empregados na condução do rebanho ao pasto. Debruço-me na varanda à tarde, quando o sol faz despedida e bem vinda chega a lua. Debruço-me sobre a varanda quando as estrelas fazem festa e iluminam o meu quintal.

E foi nesta varanda que vi meus rebentos crescerem em doçura e inocência. Brincando de gente crescida, mandando nos empregados, pregando peça nas criadas e falando de futuro como se andasse por ele.

Debruçado nesta varanda que percebi a audácia do filho mais velho no domínio dos negócios. A facilidade e maestria que negociava nossa cria com valor estimável e comprava a cria alheia por mísero valor. Na loucura de suas aventuras lhes rendia ossos quebrados e muitos curativos.

Foi assim, debruçado, que vi a coerência do mais novo e a o equilíbrio de seu caráter. Agia com doçura com os empregados e cuidava do rebanho com extremo carinho, que se irava quando se fazia necessário matar um novilho para alimento da casa.

Foi na varanda que vi o mais velho acordar ansioso, como se o mundo lhe prendesse o peito, andando atônito e frenético, e num lampejo de coragem falou-me: - Pai preciso conhecer o desconhecido e me libertar desta rotina. Peço-lhe a parte que meu sangue tem por direito, para que eu crie asa e voe pelo mundo que me espera.

No mesmo lampejo de seu pedido, retirou-se prontamente. Eu na surpresa do momento fiz-me pasmo, mas no fundo do peito esperava pela hora de sua partida. Não neguei o pedido, apenas perguntei-lhe se estava de fato seguro da decisão, mas seus olhos responderão que sim.

Entreguei-lhe o montante e despedi-me friamente como um homem forte o faria. E ali debruçado na varanda, que a imagem de meu filho sumia pouco a pouco no horizonte. E era neste momento que a mistura de lembranças de sua imagem infantil partiu-me o peito e derramei-me em cântaros sob a varanda amiga.

Depois de sua partida, os dias fizeram-se nulos, prostrei-me numa cadeira velha de madeira no canto da varanda, fitava o caminho que por ele meu filho se foi, na esperança de vê-lo por ele de fato retornar. O mais novo conduzia os negócios, e discreto consolava-me, porém a dor aguda da partida anestesia todo e qualquer consolo.

Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali sentando, se dias, se meses se anos. Apenas sei, que após um hiato de lágrimas quentes, no horizonte distante daquele caminho, cria-se uma imagem de um homem. Certo de que era apenas criação do imaginário delirante de um homem sem sentido, fiz-me de descrente. Porém a imagem a cada instante se fazia clara e nítida. Reconheci a alma de meu filho e num lampejo de coragem corri ao seu encontro.

Ofegante pulei-me em seus braços e fiz-me surdo de todo e qualquer pedido que tenha me feito naquele instante, pois o que me importava era apenas tê-lo de volta. Do rosto liso que partira agora espesso em barba que roçava a minha e molhava ambas pelo suor dos olhos do menino e do meu. O seu corpo estava em ruínas, mas o olhar continuava inocente como de outrora. Corri com ele para a varanda e pedi festa.

Os dias que vieram a seguir foram de extrema felicidade, passei a ajoelhar na varanda e agradecer a Deus pelo retorno de meu filho.

E hoje estou aqui, debruçado sobre a varanda ao som dos risos inocentes de meus netos apimentados. Os filhos dos meus filhos, enchem a mesma varanda (que outrora fez-me triste), com o sabor adocicado da alegria plena e serena.

Nada me faz tão vivo do que debruçar-me sobre a varanda.

Samuel Boss

Samuel Boss
Enviado por Samuel Boss em 07/10/2009
Código do texto: T1853172