MELECA
A semana passa voando. As crianças odeiam as aulas,mas adoram o recreio. Odeiam os cadernos, mas adoram o lanche. Os homens odeiam o trabalho, mas precisam de grana, odeiam acordar cedo, mas vão dormir pensando na bolsa de valores.
É chegado o fim de semana. A hora da diversão. O marido já chega do “repi-auêi” com o colarinho da camiseta sujo de batom. Sua esposa que estava no motel com o padeiro da esquina, briga por causa da mancha e assim os dois se omitem de fazer sexo na noite de sexta-feira. Afinal, o tesão já tinha sido massacrado pelos dois. Enquanto isso, as crianças estão pensando no algodão doce do parque de diversões e na amarelinha, que por sinal, hoje já se foi.
O sábado lhe bate à porta: irmãos, cunhados, primos, tios, sobrinhos, marcam o churrasco: uma roda de adultos na mesa em volta da piscina e crianças brincando na grama. Eu – que sou o papagaio da casa, sem metáfora, aqui quem fala é o “lôro” mesmo – passo pela mesa dos homens e a discussão se firma pra saber quem apurou mais lucros, quem investiu mais, quem comprou o carro do ano e a casa no melhor terreno da cidade – olhos sedentos de ganância e desejo de serem reconhecidos como reis da cocada preta. Ah... no momento em que as mulheres vão ao banheiro falar sobre plásticas e silicone; os homens falam de prostitutas, futebol e noites de bebedeira em bordeis. Saio andando de lá, afinal, por uma triste covardia cortaram minhas asas, chego à grama e lá estão as crianças numa competição daquelas: quem consegue tirar mais meleca do nariz e comer. O riso fluía solto, a meleca era salgada... as crianças, mesmo com a nojeira, surpreendiam ocultamente os homens.
O que é mais divertido, a meleca de uma criança ou os olhos sangrentos de homens sem paladar?
Eu, que não sou adulto nem criança, prefiro comer meleca e rir com a culpa de uma inocência, a ter razão e mesmo assim viver contemplando a imundície humana!
Meu maior pesar é saber que um dia a criança crescerá e, por causa disso, não comerá mais a sua meleca: trocará a sujeira de seu nariz pela impureza do sangue de um podre coração e pela impiedade de uma cabeça comprimida.