Quem não arrisca, não petisca. (Maria Mal-Amada)
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Abre a boca e fecha os olhos. Tudo o que você precisa fazer é confiar. Confiar que aquela coisinha doce que te ofereceram com tanto suspense é realmente uma delícia. Fechar os olhos e deixar que te apresentem coisas novas.
Ontem eu comi uma Beleua. Um docinho árabe feito de massa folhada e recheado com nozes ou amêndoas. Mas não se dê ao trabalho de procurar no dicionário, porque o Aurélio não soube me dizer o que Beleua significa. Cerrei meus olhos e mordi a massa molhada de calda doce. Simplesmente confiei...
Você precisa entender que a vida é uma questão de equilíbrio. E não pense que suas palavras entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Não. Eu entendi cada suspiro de afirmação da suposta felicidade que você alega sentir. Defende seu cômodo estado de espírito com tanta veemência que eu quase me dei por vencida.
Mas eu não duvido de tudo. Sei que em algum lugar, a rotina que escolheu para si mesmo é tão tangível que chega a ter vida própria. E essa vida é perfeitamente aceitável e correta. Equilibrada e sincera em todos os momentos do seu dia que precisaria ter mais do que 24 horas. Então pra que tudo isso? Pra que tanta coisa, se o que mais importa você já tem. E será que você tem? Será mesmo?
Admiro saber coisas novas sobre você a cada dia. Admiro sua loucura disfarçada de irreverência, mesmo quando pensamos que você está normal dentro do universo paralelo que criou ao longo dos anos. E por saber que a loucura é inofensiva, posso até acreditar que você tem concerto.
Estou me convencendo de que o perigo está na normalidade normatizada nos códigos empoeirados. A vida cadenciada nas mesmas notas musicais dia após dia é o reflexo de um futuro que será sempre futuro e de um agora que não chega nunca.
Você não tem obrigação de ser feliz porque a felicidade é delicada demais para ser um dever. Mas tem a obrigação incontestável de querer ser feliz. Sem qualquer vergonha na cara ou pudor disfarçado de civilidade.
O futuro está aparecendo para você nas esquinas da vida? O velho que pinta os cabelos para enganar o espelho está cruzando com você por aí? Eu lhe disse que esse velho não existe, mas você arregalou os olhos e riu na minha cara. Ele não existe!
Tá bom, talvez ele seja de verdade, mas isso não quer dizer que você o veja como ele realmente é. Ele é só um garotão de meia-idade. Um solteirão convicto que viveu de menos o que deveria ser vivido com intensidade.
Simplesmente uma questão de equilíbrio. Como o direito precisa do avesso e o esquerdo do direito. Como você que já tem tudo o que quer, mas não é feliz com o que possui porque não possuí realmente.
Não somos donos de nada. É tudo um empréstimo.
Feche os olhos e aceite o doce. Simplesmente aceite.
Maria