TRÊS CHOQUES

Já ouviram falar em choque de realidade?

Acho que foi o que aconteceu comigo, pois não consigo descrever em outras palavras o que se passou dentro de mim quando o sopro frio e úmido da realidade bafejou o meu rosto totamente incendiado pela avidez por novas descobertas.

Explico. Ao 48 anos resolvi cursar uma segunda faculdade, desta vez de Letras, sonho a muito acalentado e tantas vezes adiado.

O primeiro choque já ocorreu em meu primeiro dia de aula.

Cruzo nos corredores com alunos veteranos e com "bixos" como eu, detalhe: 99% muito jovens. Isso não me assustou, tampouco me desmotivou em momento algum. Mas, comecei a me sentir invisível, pior, um estorvo, uma pedra, uma barreira, uma "coisa" prostrada no caminho desses jovens que se locomoviam em seu espaço, em seu habitat, com sua tribo.

Em um dado instante fui tomar água naqueles bebedouros que você tem que apertar o botão para a água esguichar e se encaixar em sua boca.

O bebedouro estava vazio, me aproximei, arrumei o cabelo para não molhar e me preparei para abaixar, quando um jovem mais rápido, mais apressado, mais "esperto" e com certeza mais mal educado, precipitou-se sobre o botão e ... zás! apoderou-se da minha água!

Em outro momento, procurava pacientemente minha sala, andando pelo meio do corredor, olhando para os dois lados, e eis que um jovem mais sabido, mais descolado, me atropela, não pede desculpas (afinal eu sou uma pedra, uma barreira, lembram-se?)e segue seu rumo chegando ao seu destino antes de mim, óbvio.

Já na sala de aula, tento entabular uma conversa no início acanhada, e logo me soltando mais. A reciptividade é baixa, mas não desisto.

Durante a aula, vem o segundo choque. Todas as minhas referências, paradigmas, sobretudo as recordações que tinha da faculdade deixada lá pra trás, iniciada com apena 17 anos, foram tombando uma a uma.

- Os alunos entravam e saíam da sala a hora que bem entendiam!

- Os professores eram placidamente ignorados!

- Pior, tive a impressão de que os mesmos não se importavam com o fato! ( pois não havia punição, ou advertência verbal)

Mas vocês querem conhecer o terceiro e maior choque? É, teve mais!

No terceiro ano do curso tive que fazer um estágio em sala de aula.

O referencial que eu tinha de uma escola pública, era o de quando estudei, desde as minhas primeiras vogais até o canudo do curso Colegial: valores, ética, pudores, respeito e até temor aos professores.

Não foi o que encontrei entre as crianças e jovens que tive a oportunidade de observar durante este estágio.

O que encontrei no século XXI, foi um total desrespeito: dos alunos entre si; dos alunos em relação aos professores e vice-versa; e de todos em relação aos mais velhos, mais experientes, ou superiores hierarquicamente.

Em uma das salas que entrei todos conversavam ao mesmo tempo, uns falavam ao celular, outros cantavam. Lembro-me de um garoto dançando no meio da sala, uma menina chorando e sendo consolada pela amiga; tudo isto, pasmem (ou não!) durante a aula, enquanto a professora acabava com os últimos timbres de suas cordas vocais, tentando ensinar algo àqueles poucos que queriam aprender.

Não tenho outra definição: choque de realidade.

E que realidade! Uma realidade que eu não sonhava encontrar, nem desejava encontrar, mas que bateu à minha porta e eu não pude ignorar.

A sociedade também não pode ignorar, não podemos continuar formando profissionais e cidadãos com esta base tão frágil, onde a qualidade do ensino se confunde com a qualidade de valores. Esta nova geração, os nossos novos dirigentes, nossos novos médicos, advogados e professores não podem surgir de instituições como estas que eu citei, e outras tantas que existem pelo Brasil...

Enfim eu me formei, não leciono, não consigo, mas não me furto às reflexões e debates a respeito.