E O VENTO A LEVOU...
Todas as noites, em um ritual melancólico, olhava os recortes de jornais e antigas revistas. As fotos ali retratavam o sucesso e a beleza jovial da atriz que arrebatou milhares de fãs, mas não aceitava a verdade: o tempo. E Sofia sofria e chorava de raiva! O tempo passava a sua revelia!
Amaldiçoava os diretores e seu agente por não representar mais os papéis que viveu entre seus dezessete e trinta cinco anos. Obcecada pela juventude submeteu-se a um infindável número de plásticas sonhando interpretar aquelas mulheres com o frescor da experiência.
Aos poucos, nenhum cineasta a chamaria mais. E era ridicularizada no meio artístico. O casamento com o cinema havia acabado e o marido, também ator, a abandonara por uma jovem modelo. Sofia perdeu a alegria, mas nunca a vaidade. Ressentida, isolou-se do mundo. Talvez, imaginando ser uma nova Greta Garbo que desejava ficar só.
Naquela noite, completaria 59 anos sem nenhum telefonema. Sua empregada, leal há duas décadas, preparava o chá quando ouviu um barulho no andar de cima. Ao entrar no quarto, observou o que havia estatelado ao chão. Único quadro do ambiente, o retrato da atriz, há anos pendurado na parede, solitário como ela, sem laços no mundo. A marca da moldura e o prego enferrujado, ironicamente, desenharam outro quadro ali: Sofia e seu vazio.
- A senhora se machucou?
A atriz esboçava um estranho sorriso ao fantasiar a câmera se aproximando em close. Prosseguiu sua cena imaginária, de costas para a empregada, sentada ao pé da cama, olhando a janela:
- Por favor, jogue o retrato no lixo. Limpe o chão, pode haver cacos. Amanhã mande alguém pintar o quarto. Dormirei em um hotel essa noite.
- Mais alguma coisa que eu possa fazer para ajudá-la?
- Tire o prego da parede. Não quero mais marcas, nem perguntas.
(*) Aos amantes do cinema e aos que ainda irão se apaixonar...
(*) Imagem: Google
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