Índio quer tambor (Canaã dos Carajás - PA.)
Obra da Vale: Canaã dos Carajás - junho de 2003 – 17:30 hs -
no Escritório
Toc, toc: é o Segurança na nossa porta. Abre e avisa:
A ordem expressa é prá todo mundo evacuar a área já! Os índios estão perto. Temos que sair antes que alcancem a portaria. Positivo?
Positivo!
Limpamos as mesas, tudo nas gavetas e já estávamos de saída.
Pensei: vou descer de carona na ambulância, se trombarmos com eles, finjo de morto, rs,rs,rs.
Logo mais às 22:00 hs. - no Alojamento
Alex chega avisando: Jota os índios estão acampados aqui na Portaria com facão, arco, flecha e borduna. Amarram redes, espalharam as muié e os menino grama afora, estão dançando e comendo coco – disse ele.
Vamos dormir. Pega com São Bené e seja o que Deus quisé !
4:55 horas - manhã seguinte.
Tum, tum, tum! Batem na porta.
Pulei da cama. Quem é?
É a Segurança.
Vocês têm 5 minutos prá trocar de roupa e entrar no ônibus.
Café no canteiro de obras. Temos que entrar antes que os índios alcancem a Portaria.
10:30 horas – no canteiro de obras
Fui ao banheiro, de repente pego uma carona no rádio do Renatinho; era o Lourivaldo modulando:
- Atento Jaime, atento Jaime.
- Jaime na escuta – prossiga Lourivaldo.
- Jaime; os índios estão na portaria. Tão querendo entrar. Mande esconder depressa esta pickup Mitsubishi que está aí na frente do escritório, com barco de alumínio e motor na carroceria.
Mande também atravessar dois ônibus trancando a pista que vai para os escritórios novos, Ok? Copiou?
- Ok! Positivo! É prá já!
Voltei correndo prá sala e espalhei a notícia.
É mesmo? Éh! Todo mundo com cara de assustado.
Fomos pras janelas, levantamos uma beiradinha dos papéis de proteção solar e esperamos por eles.
Não demorou muito e; eis que surge uma pickup grafite, L200 da Mitsubishi, com Cacique Mamirauá na direção, tendo ao lado Roerí, e no banco traseiro os também caciques Caretí, Pet Cun e Raoní.
Assentados no beiral da carroceria, três índios de estatura mediana, cheios de bonitos colares feitos com miçangas, cabelos ao vento, arcos e flechas às costas, cara borrada de preto, braço com faixas largas de mesma cor. Dizem que é tinta obtida de cozimento de genipapo. A cor preta é para missões de negociação e amizade.
Vieram com o objetivo de assinar convênio. De mão única é claro!
Queriam uma F4000, uma ponte de concreto em substituição à uma de madeira e um pouco de dinheiro para despesas básicas.
Atrás deles uma buszeata – carreata de 3 ônibus
Todos assentadinhos, com os arcos apoiados no piso, excedendo a altura das janelas, proporcinando prá gente de fora um colorido maravilhoso, mais parecendo um arco íris fragmentado, em perfeita harmonia com o desenho colorido da viação Transbrasiliana.
Tomaram rumo da Britagem Primária – 4 km. atrás do Escritório.
Passados mais ou menos trinta minutos, novo alvoroço.
Estavam de volta.
Os avistamos rapidamente e, pela rota traçada seguiram o mesmo caminho por onde entraram – “da portaria”.
Desconfiados, ordenaram meia volta e alcançaram a ala dos escritórios administrativos, (que aguardavam inauguração).
Os meninos do ausente Cacique Kukimata não resistiram ao brilho das instalações sanitárias. Cagaram nelas todas, sujaram as paredes, tudo pra demarcação de território.
Lourivaldo acionou os bombeiros que esvaziaram a caixa d’água com 1 hora de grossas mangueiras vasos a dentro. E aí?
Aí cara, só vendo. Deu refluxo e em poucos minutos os escritórios viraram uma “fedorentina daquelas”.
Égua meu! Quase todo mundo reclamava de dor de cabeça.
Enquanto isso, os caciques vieram para a Cantina, localizada no nosso escritório de obras, acompanhados do Sr. Hamilton,
(vulgo irmão do Seu Madruga) de tão feio que era.
Estávamos numa instalação com 2 blocos de 8 salas cada, um de frente ao outro, tudo de madeira, separados por um jardim de 8 metros de largura. Assim que pisaram no passeio oposto ao nosso, disparamos logo nossos focos. Os corações batiam acelerados!
O Alex. com a filmadora do Léo e eu com uma Canon digital. O Léo gritou: Vai Jota, vai. Dei um zoom neles dizendo prá mim mesmo : vem cá filhos da puta, aqui eu domino!
Tensos mas destemidos, registrávamos os minutos mais importantes de nossas vidas. Ou quem sabe os últimos?
Sem mais nem menos, o último da tribo resolve tirar o celular prá uma inoportuna ligação e nos flagra mirando-lhes.
Avisa aos outros. Eh, fudeu!
Meu coração disparou. O Léo gritou: Sai Jota, sai, sai!
Alex agachou depressa, pôs a filmadora no chão, correu de cócoras como se tivesse passando debaixo de cerca de arame farpado e sentou-se à sua mesa fingindo trabalhar.
Eu aproveitei a bambeza das pernas e na posição de fotógrafo assumida, fui escorregando janela abaixo, até que a máquina desaparecesse da janela. Juntei máquina e filmadora e, entafunhei tudo no tambor de desenho bem no canto da sala.
Assentei de frente ao computador, como se nada tivesse acontecido.
Só tava um pouco esfalecido!
Tum, tum, tum!
Bateram na porta.
Como ninguém se prestou a atender, porta se abriu.
Ai meu Deus! Adentraram-se.
Índio veio buscar máquina, disse Sr. Hamilton.
(Lá em Parauapebas tinham fama de tomar os equipamentos de quem os fotografasse).
Cacique Pet Cun confirmou: éh! Índio veio buscar machina!
Geraldo, projetista civil, um sujeito branco, cabelos crespos aloirados, já grisalhando, queixo quadrado, temperamento tempestivo, metido às artes marciais, levantou, virou prá gente e bravou seu velho jargão: não pode tirar foto de índio!
Tudo tem que explicar, tudo tem que explicar!
No mesmo tom, dirigindo-se à eles falou:
Ôh Pet Cun, seguinte: num tem machina aqui pôôôrrrra nenhuma!
Entendeu?
Os índios cochicharam no ouvido do Sô. Hamilton.
Geraldo me perguntou.
Qual é a dele?
Dele quem?
A do Seu Hamilton.
Sei lá; deve tá traduzindo pra eles “pôoorrra nenhuma”.
Raoní jogou uma conversa no ouvido de Pet Cun que falou alguma coisa pro Sr. Hamilton.
- tá bom, tá bom. Índio acredita nocês, disse Sr. Hamilton.
Ainda estava agradecendo à Deus quando Sr. Hamilton arrematou:
“Mas prá num perdê viagem Índio leva tambor”.
Obra da Vale: Canaã dos Carajás - junho de 2003 – 17:30 hs -
no Escritório
Toc, toc: é o Segurança na nossa porta. Abre e avisa:
A ordem expressa é prá todo mundo evacuar a área já! Os índios estão perto. Temos que sair antes que alcancem a portaria. Positivo?
Positivo!
Limpamos as mesas, tudo nas gavetas e já estávamos de saída.
Pensei: vou descer de carona na ambulância, se trombarmos com eles, finjo de morto, rs,rs,rs.
Logo mais às 22:00 hs. - no Alojamento
Alex chega avisando: Jota os índios estão acampados aqui na Portaria com facão, arco, flecha e borduna. Amarram redes, espalharam as muié e os menino grama afora, estão dançando e comendo coco – disse ele.
Vamos dormir. Pega com São Bené e seja o que Deus quisé !
4:55 horas - manhã seguinte.
Tum, tum, tum! Batem na porta.
Pulei da cama. Quem é?
É a Segurança.
Vocês têm 5 minutos prá trocar de roupa e entrar no ônibus.
Café no canteiro de obras. Temos que entrar antes que os índios alcancem a Portaria.
10:30 horas – no canteiro de obras
Fui ao banheiro, de repente pego uma carona no rádio do Renatinho; era o Lourivaldo modulando:
- Atento Jaime, atento Jaime.
- Jaime na escuta – prossiga Lourivaldo.
- Jaime; os índios estão na portaria. Tão querendo entrar. Mande esconder depressa esta pickup Mitsubishi que está aí na frente do escritório, com barco de alumínio e motor na carroceria.
Mande também atravessar dois ônibus trancando a pista que vai para os escritórios novos, Ok? Copiou?
- Ok! Positivo! É prá já!
Voltei correndo prá sala e espalhei a notícia.
É mesmo? Éh! Todo mundo com cara de assustado.
Fomos pras janelas, levantamos uma beiradinha dos papéis de proteção solar e esperamos por eles.
Não demorou muito e; eis que surge uma pickup grafite, L200 da Mitsubishi, com Cacique Mamirauá na direção, tendo ao lado Roerí, e no banco traseiro os também caciques Caretí, Pet Cun e Raoní.
Assentados no beiral da carroceria, três índios de estatura mediana, cheios de bonitos colares feitos com miçangas, cabelos ao vento, arcos e flechas às costas, cara borrada de preto, braço com faixas largas de mesma cor. Dizem que é tinta obtida de cozimento de genipapo. A cor preta é para missões de negociação e amizade.
Vieram com o objetivo de assinar convênio. De mão única é claro!
Queriam uma F4000, uma ponte de concreto em substituição à uma de madeira e um pouco de dinheiro para despesas básicas.
Atrás deles uma buszeata – carreata de 3 ônibus
Todos assentadinhos, com os arcos apoiados no piso, excedendo a altura das janelas, proporcinando prá gente de fora um colorido maravilhoso, mais parecendo um arco íris fragmentado, em perfeita harmonia com o desenho colorido da viação Transbrasiliana.
Tomaram rumo da Britagem Primária – 4 km. atrás do Escritório.
Passados mais ou menos trinta minutos, novo alvoroço.
Estavam de volta.
Os avistamos rapidamente e, pela rota traçada seguiram o mesmo caminho por onde entraram – “da portaria”.
Desconfiados, ordenaram meia volta e alcançaram a ala dos escritórios administrativos, (que aguardavam inauguração).
Os meninos do ausente Cacique Kukimata não resistiram ao brilho das instalações sanitárias. Cagaram nelas todas, sujaram as paredes, tudo pra demarcação de território.
Lourivaldo acionou os bombeiros que esvaziaram a caixa d’água com 1 hora de grossas mangueiras vasos a dentro. E aí?
Aí cara, só vendo. Deu refluxo e em poucos minutos os escritórios viraram uma “fedorentina daquelas”.
Égua meu! Quase todo mundo reclamava de dor de cabeça.
Enquanto isso, os caciques vieram para a Cantina, localizada no nosso escritório de obras, acompanhados do Sr. Hamilton,
(vulgo irmão do Seu Madruga) de tão feio que era.
Estávamos numa instalação com 2 blocos de 8 salas cada, um de frente ao outro, tudo de madeira, separados por um jardim de 8 metros de largura. Assim que pisaram no passeio oposto ao nosso, disparamos logo nossos focos. Os corações batiam acelerados!
O Alex. com a filmadora do Léo e eu com uma Canon digital. O Léo gritou: Vai Jota, vai. Dei um zoom neles dizendo prá mim mesmo : vem cá filhos da puta, aqui eu domino!
Tensos mas destemidos, registrávamos os minutos mais importantes de nossas vidas. Ou quem sabe os últimos?
Sem mais nem menos, o último da tribo resolve tirar o celular prá uma inoportuna ligação e nos flagra mirando-lhes.
Avisa aos outros. Eh, fudeu!
Meu coração disparou. O Léo gritou: Sai Jota, sai, sai!
Alex agachou depressa, pôs a filmadora no chão, correu de cócoras como se tivesse passando debaixo de cerca de arame farpado e sentou-se à sua mesa fingindo trabalhar.
Eu aproveitei a bambeza das pernas e na posição de fotógrafo assumida, fui escorregando janela abaixo, até que a máquina desaparecesse da janela. Juntei máquina e filmadora e, entafunhei tudo no tambor de desenho bem no canto da sala.
Assentei de frente ao computador, como se nada tivesse acontecido.
Só tava um pouco esfalecido!
Tum, tum, tum!
Bateram na porta.
Como ninguém se prestou a atender, porta se abriu.
Ai meu Deus! Adentraram-se.
Índio veio buscar máquina, disse Sr. Hamilton.
(Lá em Parauapebas tinham fama de tomar os equipamentos de quem os fotografasse).
Cacique Pet Cun confirmou: éh! Índio veio buscar machina!
Geraldo, projetista civil, um sujeito branco, cabelos crespos aloirados, já grisalhando, queixo quadrado, temperamento tempestivo, metido às artes marciais, levantou, virou prá gente e bravou seu velho jargão: não pode tirar foto de índio!
Tudo tem que explicar, tudo tem que explicar!
No mesmo tom, dirigindo-se à eles falou:
Ôh Pet Cun, seguinte: num tem machina aqui pôôôrrrra nenhuma!
Entendeu?
Os índios cochicharam no ouvido do Sô. Hamilton.
Geraldo me perguntou.
Qual é a dele?
Dele quem?
A do Seu Hamilton.
Sei lá; deve tá traduzindo pra eles “pôoorrra nenhuma”.
Raoní jogou uma conversa no ouvido de Pet Cun que falou alguma coisa pro Sr. Hamilton.
- tá bom, tá bom. Índio acredita nocês, disse Sr. Hamilton.
Ainda estava agradecendo à Deus quando Sr. Hamilton arrematou:
“Mas prá num perdê viagem Índio leva tambor”.