Meu Primeiro Gol ( Futebol )

Matheus Rêgo - dez. 1996
Seguinte: meu negócio era andar de bicicleta. Pai me levava à pracinha do bairro desde os tempos do aprendizado. Lá eu via o pessoal jogando bola, mas confesso que não era muito ligado.
Aos oito anos, estava um tanto quanto gordinho, a preguiça me olhando com bons olhos, deixei então para as pedaladas, a tarefa de encarar aquela conversa mole de que toda criança tem que praticar esportes. Se bicicleta era bom? Era bótimo. Pro calor a solução: voltinhas na quadra, ventinho na testa e descansar com o rosto molhado do chafaríz. Melhor que isso, só mesmo Papai Noel de trenó.
Meu irmão Hermann sempre me falava da habilidade de nosso pai com a bola nos pés. Vovô Constantino –não cheguei a conhecer -foi músico e jogador de futebol. Tio Silvinho estava atuando pelo Vasco no jogo em que o Pelé fez o milésimo gol. Eh! Fazia sentido!
Aos sábados era sagrado! Ele e pai se reuniam com a turma da rua Hélium e partiam para Dr. Lund onde já havia jogo agendado.Ah, sim! Disse-me também que, no futebol de salão, um sem número de vezes ficou estirado ao chão, enquanto pai o driblava e passava com a bola em toques, caprichos e retoques até o fundo das redes.Também quem mandou escolher o gol?.
Naquela mesma pracinha da bicicleta.ele chegou a ensaiar algumas tabelinhas comigo. “ Têu ” dizia ele: deste gol pro outro use só a perna direita,de lá prá cá, com a esquerda, ok? Se destro que sou, na ida já era difícil, imagine quando da volta.
Mas quer saber mesmo? Do velho que escreva ele. Quero falar mesmo é de mim.
1996 - Um belo dia criaram no colégio uma escolinha de futebol. Meu pai, não se conteve e logo, logo tratou da minha inscrição. Treino daquí, treino dalí, e nós marcando presenças. Como eu era perna de pau, houve até quem apostasse em minha desistência. Realizamos um jogos contra o Colégio Sagrada Família, da avenida Catalão, e tomamos de balaiada. De volta ao carro, jurei que não treinaria mais com o Rony. O cara me sacou três minutos depois de haver me lançado, é mole?
Pai ponderou: filho; tomei chá de banco em vários treinos da Mannesmann, até que chegasse a titular de sua seleção.
Longas as semanas que antecederam ao jogo no Labareda contra o fraudinha do Galo. Simpático apático com o cruzeiro, prá tristeza de meu avó materno, esperava com ansiedade o dia do jogo. Até por que não sabia jogar.
Finalmente estávamos lá. Depois de uns dez minutos de partida pai aparece, todo fresco, na arquibancada. Mais tarde confessara-me que estava a conhecer o Clube. Sua intuição lhe dizia que de cara eu não iria entrar. De fato! Jogaram as equipes A e B quando apareci na C. O placar acusava 2 a 2 e o treinador não parava de gritar comigo, acreditando me orientar: Rêgo aquí, Rêgo alí, Rêgo marca, Rêgo volta. Confesso que fiquei ainda mais confuso. Fui apanhar uma bola que saiu pela quadra vizinha e “ paguei pau ”. Rêgo; bola do goleiro Rêgo, o que é que você tem com isso? De repente, num ataque nosso, o Guilherme chutou pro gol,a bola bateu na zaga, voltou pro Breninho, que pegava mais forte de nosso time, a bola bateu novamente nas pernas da defesa, sobrou prá mim, fechei os olhos, metí um bico e só abrí aos gritos de: Rêgo, Reguinho, Regoso. A bola ganhara o fundo do gol. Não acreditei! Fiquei assustado, cara de quem com dor de estômago, coisa horrível, situação inusitada. Fiz uma ligeira varredura na arquibancada e não vi meu pai.Fiquei preocupado com sua emoção. Saí correndo em direção ao meio de campo, arrastando uma das pernas, o pessoal pulando em cima e o placar prá 3 a 2. Mal o jogo foi reiniciado e fui sacado. Desta vez saí por cima. Do banco, lugar que eu mais conhecia, recebi uma calorosa acolhida. Mão espalmada, ia passando e sendo saudado por cada um Assentei-me, avistei o velho e tive sua provação com o sinal positivo pelo polegar.
De volta ao Colégio, trazendo na bagagem a vitória de 4 a 3, fomos recebidos de braços abertos pelo Sr. Fernando, dono da Escolinha. Em casa não foi diferente. Pai contou prá mãe e vieram mais elogios:
- não falei meu filho? Persistência, persistência! Agora é caprichar no regime prá crescer no esporte.
Incrível minha mãe! Ela não perdia uma chance.
Segunda-feira na escola fui recebido como herói.
Hoje, aos vinte anos, entendo que o “ velho ” não tinha pretensões de que eu fosse um grande craque. Sua insistência devia-se ao fato de que aquí tudo gira em torno do futebol Tem pois o meu perdão.
Domingo seguinte, na casa de tia China ele me chama:
- Têu, vem ver prá aprender.
Era a seleção brasileira de futsal que disputava a final contra a Espanha.
Achei aquilo um saco. Rodei na cadeira do computador e aquilo o irritou.
Pare, disse ele. Sente-se aqui.
Arrisquei tentando as pazes:
- como é mesmo o nome do goleiro do Brasil?
Caramba, esbravejou ele. Fique calado! E emendou:
- melhor; suma daqui prá eu ver o jogo em paz.
E tome mais perdão!
Daí, sumi e decidi: futebol é coisa séria, de gente adulta, dá briga e até coisa pior. Quer saber? Largo isso e continuo criança. Fui!
Assim, tive o meu primeiro orgasmo e fiz meu último gol.

P.S.: Matheus é filho Afonso Rêgo e nasceu em 1988. Marcou um único gol em 1996. Essa é a narrativa da época, para ser festejada em 2009 quando Matheus atingir a maioridade, descrita sob seu ponto de vista adulto, o que aconteceu em março deste.
BH., 4 de outubro de 2009
Afonso Rego
Enviado por Afonso Rego em 04/10/2009
Reeditado em 26/03/2012
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