Só sente fome quem come
Somos seis bilhões de pessoas que vivem em um mundo apertado, escasseando todo tipo de recurso que ele tem e tudo o mais. Não demorarão quinze anos e seremos sete bilhões. Sete bilhões e fazendo as mesmas coisas que os outros seis bilhões já faziam, só que acrescidos de um bilhão. Nossa natureza é selvagem, devoradora, quase que insaciável em sua essência.
Calculamos, fazemos estatística e aritmética. A fome vai crescendo bilionária, logarítmica, progressiva e vamos calculando a nossa miséria, atrapalhados que nem macacos com o ábaco nas mãos. Viver, neste caso, é experiência única; é sentir na pele a mordida que a consciência dá naqueles que sentem o mundo crescendo invariável ao redor, sufocando, consumindo a certeza de que se é intocável.
Fazemos ginástica ioga, bebemos cerveja, uns balançam a pança, outros seguram – que a fome aperta –, plantamos mandioca, bananeira, damos até pirueta e olha que não é circo, mas não deixa de ser engraçado e no final quem morre é o público, de sede, fome, frio, cansaço, sem graça. Ai meu Deus, se este mundo – como dizem por aí– é mesmo um circo, eu já até me sinto um palhaço.
Pra se resolver o problema de nossa fome já se tentou de tudo, sobretudo no que se tem em matéria de “ismo”. “Ismo” pra cá, “ismo” pra lá, “ismo” pra todo lado. Cabalismo, zen-budismo, “achismo”, “filosofismo”. Uns, mais comedidos, tentaram o comunismo; os mais afoitos, capitalismo. Deu em “nadismo”. Eu sugiro outro “ismo”: canibalismo. Porque se comer o outro não mata a fome de quem come, pelo menos mata a de quem é comido.