Cuidado com o que dizer
 
Ser professor é dar um duro danado e quase nunca ter retribuição às noites acordado corrigindo provas, planejando aulas e estudando. Mas, às vezes, acontecem situações inusitadas, muitas vezes hilárias.
            A aula era de Literatura. Entrei na sala e comecei a reclamar sobre o camarada que se apaixona e escreve poemas de amor.
— Poetas de ocasião versando sobre clichês românticos mais batidos do que vitamina na lanchonete da esquina. Com o coração se faz literatura ruim.
Alguns riem eufóricos, outros arregalam os olhos, alguns poucos se encolhem nas cadeiras com o olhar vazio.
— Pior, não contente ainda, o infeliz apaixonado traz os poemas encadernados, para mostrar a sua péssima obra poética, sonhando ser o próximo Camões. Leio aqueles versos insossos, mal escritos, nada originais e, por incentivo apenas, teço um moderado elogio, sem deixar de lado o conselho para que leia bastante e escreva mais como exercício literário. Penso ter me livrado de tal moléstia, mas na semana seguinte, lá vem novamente o pseudo-poeta com mais versos inúteis. — forço uma expressão de desdém e continuo — Sim, estão muito bons — respondo com educação — mas continue lendo mais.
            Faço uma pausa. Olhar perdido como se estivesse a ponto de me jogar pela janela.
— Não havendo nenhuma melhoria nos versos, nem mesmo um arremedo de originalidade, na terceira vez que recebo os poemas, olho de cara feia e ponho as poesias sobre a mesa sem interesse. O poeta fica triste, percebe que há algo errado, mas volta ao seu lugar, pensando que deve ser alguma coisa relacionada ao meu humor. Na semana seguinte não comento os textos, eles são tão ruins, melosos, ingênuos de mais para perder o precioso tempo em sua leitura. Não — brado para a turma. — Chega de lixo! Poesia não se faz com o coração. É com bons sentimentos que se escreve o lixo literário. A inspiração não faz o poeta, é preciso muito mais do que um sentimento comum como o amor para se fazer poesia. Portanto, parem de me mostrar péssimos textos inspirados por paixão. Na pensem que são poetas por estarem apaixonados. A poesia é muito mais do que uma dor de cotovelo. Parem! Vocês não são poetas! — digo exaltado, insuflando as veias.
            A turma se entreolha. Não entendem o ódio do discurso.
            Prossigo:
            — Esta porcaria literária existiu no Romantismo, mas acabou, para nossa felicidade. Quem insiste nisso é um trouxa movido por sentimentalidades. Não é assim que se faz poesia. Para fazer versos é preciso o domínio da técnica textual, conhecer a língua com esmero, não fazer rimas comuns, buscar as palavras raras. Escrever é um trabalho árduo, cansativo. Não essa lamúria infeliz da alma apaixonada. Não se escreve com alma, se escreve com a inteligência.
            Alguns alunos me fuzilavam com os olhos. Outros riam muito da minha exaltação.
            — A literatura é arte, como tal deve ser feita com esse intuito. Valorizar a forma, cultuando sua perfeição exata — terminei o meu discurso e fui ao quadro, pondo-me de costas para a turma.
            Enquanto escrevia “Parnasianismo” abaixo da data, ouvi um burburinho no fim da sala. Virei novamente para os alunos, dizendo, já sorrindo como de costume:
            — Esse era o pensamento dos poetas parnasianos a respeito das artes poéticas, negando a produção romântica no século XIX.
            Uma aluna deixava escorrer umas poucas, mas sentidas lágrimas.
            — Professor — disse com a voz engasgada — o senhor pode devolver os meus poemas que deixei na sua mesa semana passada... — e rompeu num choro sentido.
            Dizer depois que era somente uma brincadeira para exemplificar o discurso parnasiano não me livrou a cara. Ela até hoje me olha com raiva.