Enquanto passo a vida a limpo
Ontem fez sol e meu coração nublado mergulhou em devaneios. Pensei no dia que te encontrei pela primeira vez. Era tarde, fim de tarde e ao mesmo tempo que no horizonte se punha o sol, seu sorriso adentrava em mim, ocupando um espaço que a tanto tempo vazio logo se preencheu. Nos cumprimentamos e dos apertos das mãos a febre no corpo em resposta, poucas palavras e tantas coisas a dizer.
Dentro do carro a vida passava por nós com seus barulhos, fumaças, andarilhos de todos os lados e dentro do carro nós dois a quebrar o silêncio, dentro do carro nosso ego protegido para não trocarmos os termos, não desagradar, não...
E mais uma vez seu sorriso tranquilizando, seu sorriso dentro do carro a conduzir o meu coração e nossas vontades. Andamos, perambulamos ruas e becos e caminhos e nas esquinas da vida paramos para refrescar nossas bocas. Sentados frente a frente trocavamos figurinhas, as primeiras e já era escuro e a noite nos dizia a senha, partimos então para o espaço fechado de sossego de nossos corpos...
Ontem um sol torrendo e dentro de mim uma nuvem, o sabor de dias nublados. O vermelho do sangue havia coagulado e o cinza esperço tomou conta de todos os lados, era nublado dentro de mim e fazia inverno nos meus olhos. Torrente de águas cristalizadas desciam sem explicação e o sabor daquele primeiro encontro ali, nossos corpos pedintes, suplicantes e o toque que nos aproximou, nos fez únicos com os encontro das bocas ofegantes, das peles tecidas em colcha de retalhos e naquele momento fecundo era gestado nosso estado de completidão. Dois corpos em corpo único e não havia chuva, nem nuvem, nem era inverno e nem havia explicação...
Fazia um sol tremendo e eu em arrepios de frio congelando aos poucos, olhando as fotos dos registros de tantos dias, horas e nenhum sinal de remissão. Fazia frio e eu sonolento perdia os movimentos de reação além de te fazer desenho em fumaça imagética.
Era dia e o relógio parado não dizia o tempo exato. O tempo que ali ficou meu coração mergulhado em devaneios....
E outros dias, outros momentos foram sendo trazidos pelo navio do desejo de te materializar do meu lado. E logo, em um retrato recente, seu sorriso novamente a me cativar... Sorriso de dengo, sorriso de quem sabe comunicar sem dizer palavra alguma e quando as palavras calam, os gestos comunicam...
E mais uma lembrança da primeira noite que juntinhos celebramos o natal. Naquela noite era o nosso nascimento e mesmo sem qualquer manjedoura, escutamos os sinos e vimos a estrela a brilhar no horizonte dos nossos sentimentos e nos beijamos e juramos amor eterno...
De olhos fechados contemplamos toda a noite passar sem perceber que a tão pouco o sol já havia nascido. O sol, o mesmo sol de ontem tão forte, enquanto no meu coração era nublado...
E o gosto de chumbo a amargar a boca devota, carente de beijos. Aberta, a garrafa de vinho em taças que sintilavam sozinhas; o liquido era solvido na busca de um outro estado que não fosse real. O estado daqueles que se afogam em devaneios fósseis, enqaunto, na vitrola, uma música solava o que realmente era sentido.
E o celular não toca, a vida não se toca e dentro de uma toca oca, o ser se comprime, se deprime , se reprime em ingratidão. Perdido em devaneios vou passando a vida a limpo...
É difícil se fazer verão quando a lembrança de sua presença é presente em todos os cômodos e espaços e lugares do meu ser. Se me vejo no espelho, vejo o rosto que tantas vezes foi acariciando pelas suas mãos, a boca onde tantas vezes depositastes seus lábios e os olhos que veem a imagem refletida no espelho são os mesmos que por tanto viram-se dentro dos seus. Se fecho os olhos o que vejo são os momentos de ternura, as juras, os balanços nas redes e se abro os olhos, nos espaços da casa é você que aparece e não se pode ser verão. Tudo é inverno, é nublado, é chuvoso...
Ontem fez um sol quente e dentro de mim nublado, no meu coração, como nublado são todos os dias de ausência sua em minha vida, mas passando a vida a limpo posso pintar os dias nublados de outras cores, fazer maquiadas as dores, a angustias, a ingratidão... Fechar uma porta e abre e uma janela ou fechar portas e janelas e abrir um pergolado; posso redesenhar o porjeto de minha vida e ser vida e está na vida para recomeçar.
Pois é, passando a vida a limpo, percebi que enquanto fazia sol, ontem, fez nublado em meu coração, fez, mas como todos os estados são passageiros, passageiro foi tudo isso em meu coração...
Hoje, por ironia, o céu está nublado, em compensação, dentro de mim faz um sol danado e agora resolvi aproveitar, poiss nunca se sabe quando se é tempo bom ou se já se faz tarde, o bom é aproveirtar. Vai que na dobra da esquina um novo sorriso nos espera e já pensou, se o sol resolve esquentar...