CRÕNICA DO LIVRO E DA CURIOSIDADE
Outro dia um jovem curioso – como devem ser todos os jovens, a propósito – queria saber como eram produzidos os livros na Idade Média. Pus-me a pensar e descobri que sabia pouco sobre o assunto, porquanto da memória havia sido apagada boa parte desse conhecimento. Talvez por sua inutilidade. Velhos livros, recortes de jornais e de revistas, meus guardados de anos, mofo e ácaros entupindo meu nariz alérgico, foram recuperando, salvando e desfragmentando – para usar termos bem modernos - neurônios de conhecimentos.
Em resposta ao jovem curioso pedi que acessasse o Recanto das Letras, pois lá – onde agora estou - colocaria a resposta que me fosse possível dar, em alguns dias. Presumindo que ele leia esta crônica e mate sua curiosidade, ficará sabendo que na Idade Média, pelo século XII, surgem as universidades e o pensamento ocidental toma novos caminhos e quem produzia livros tinha lugar assegurado nessa nova indústria que se desenvolvia extraordinariamente. Copistas, encadernadores e comerciantes de livros organizaram-se em grêmios – as editoras? – e competiam entre si quanto à qualidade dos trabalhos. Além de serem ligados às universidades. Essas exerciam um papel de controle e fiscalização sobre a produção intelectual e física do livro não permitindo a circulação de cópias sem que elas fossem de boa qualidade. Os comerciantes de livros eram por elas, as universidades, obrigados a manterem sob sua guarda cópias mestras autorizadas - os originais? - dos livros a serem comercializados.
Os leitores compravam seus livros diretamente desses comerciantes ou encomendavam diretamente a um copista, o scriptor; esses também alugavam livros aos livreiros. Quem determinava o preço era a universidade a qual estivesse ligado.
Os livros na Idade Média eram chamados códices – imagino que já se saiba o que significa – em substituição aos antigos rolos de papiro que registraram o conhecimento e o saber por toda a antiguidade até por volta do século IV. É nesse século que os códices expandem sua produção rapidamente, pois elaborados página por página, frente e verso, eram mais práticos, certamente, do que os rolos feitos de papiro ou de pele de carneiro. Mas os códices surgiram no primeiro século da era cristão com textos escolares e registros de viagens e de operações comerciais. Formados por vários cadernos, quaternu, e esses por folhas, foliu, escritas dos dois lados eram feitos primitivamente de tabuas de madeira cobertas de cera; com a descoberta do pergaminho (o pergaminho era uma folha feita de pele animal. Curtida e aperfeiçoada sua fabricação na cidade de Pérgamo, ganhou esse nome) tomaram a forma de livro hoje conhecida.
A indústria livreira desenvolveu-se muito durante o Império Romano. Os editores ditavam textos aos librarii. Depois de encadernados eram vendidos nas tabernae librarie. Nos primeiros mosteiros cristãos os scriptorii copiavam textos numa sala chamada sriptorium.
No fim da Idade Média a Igreja Católica e os ricos e poderosos senhores ainda feudais encomendavam códices a calígrafos e a ilustradores e não mais a scriptorii. Os códices dessa época são luxuosos e de grande valor artístico. Mas antes disso, lá pelo século VIII começou a faltar pergaminho. Virgem, sem uso. Então alguém resolveu raspar alguns pergaminhos anteriormente escritos, por algum motivo desconhecido, e reaproveitá-los para novas escritas. Muita gente passou a fazer isso como maneira de obter novos códices para escrever. A isso chamavam palimpsesto, um “palavrãozão” mais feio do que esse que acabo de inventar, e que já me pareceu ser a sexta parte de alguma coisa, mas, como todo mundo já sabe, é um termo grego que significa raspado de novo. No mais famoso palimpsesto conservado e guardado até hoje está escrito o “De re publica”, de Cícero.
Com a invenção da imprensa tudo mudou e a produção de livros foi sendo aperfeiçoada até nossos dias, com muitas modificações. O que permanece inalterado até hoje, é que o livro sai de uma cabeça, passa por uma mão e essa, com seus dedos, segura ou um estilete, ou uma pena, de alguma ave ou de metal; ou bate furiosamente em pesados teclados mecânicos; ou digita em leves e silenciosas keys. O que resulta disso, porém, é o que sempre fará a diferença.
Há quem diga – alguns dizem só por dizer - que o futuro do livro já começou com o E-Book. Nada contra. O livro, como o conhecemos, o adoramos e nos desmilinguimos de prazer ao tocá-lo, cheirá-lo, folheá-lo e finalmente lê-lo, sentenciam eles estupidamente, vai acabar! È verdade! lamento eu. Um dia tudo vai acabar meu jovem curioso, dando lugar às novas descobertas. E depois outras... coisa de gente curiosa como tu.