Megalópoles são como Megatumores

A crônica de hoje do meu querido amigo Dante Marcucci -- Embalos -- me inspirou a escrever um texto que há muito está doidinho pra ser escrito, mas não encontrava oportunidade. Agora encontrou.

Quando fiz uma das matérias -- ressalte-se que por obrigação curricular -- sobre urbanismo, que é uma disciplina que considero muitíssimo controversa, comprei uma briga ferrenha com o professor. Briga essa que se deu no campo das idéias e de modo bastante civilizado, devo dizer.

Pra começar, acho que o urbanismo* é uma matéria que deveria ser multidisciplinar -- médicos, professores, engenheiros, economistas, comerciantes, funcionários em geral, lixeiros, donas de casa, todo cidadão deveria poder discutir e opinar em assembléia sobre a organização e administração dos aglomerados urbanos.

Dirão que isso é romantismo, que é impossível. Como se poderia implantar semelhante prática numa megalópole como São Paulo, por exemplo?

Eu respondo afirmativamente -- é idealismo romântico, sim, e é impossível de fato se implantar coisa semelhante em Sampa ou em qualquer cidade com mais do que apenas cinco mil habitantes ou algo por aí. Mas eu penso que a universidade é o único local em que podemos exercitar nossos ideais utópicos, uma vez que a "vida real" não nos cede espaço nem permissão pra tanto.

E aí é que entrava a nossa briga, a minha com o tal professor -- por quem tenho até hoje um profundo respeito, devo admitir.

Eu sustentava que estava tudo muito errado, desde a organização econômica do mundo dito desenvolvido -- fosse capitalista ou comunista ou lá o que fosse --, com a industrialização em massa e outras mazelas, até a forma e a densidade das cidades.

Não é natural que se viva em grandes e complexos aglomerados, impossíveis de serem administrados e organizados com eficiência, justiça e praticidade. Sempre haverá de sobra problemas gravíssimos e praticamente insolúveis. Como recolher e tratar eficientemente tanto lixo e esgoto? Como captar e tratar tanta água? Como planejar adequadamente todo o transporte necessário? Como resolver as questões habitacionais, bem como de produção e abastecimento de comida e bens básicos de consumo? Como estimular a convivência e a troca sadia de idéias entre os habitantes? Como se pode ter um estilo de vida realmente saudável quando vivemos submersos em tanta poluição de todos os tipos? Como se pode construir esses grandes aglomerados sem que se agrida mortalmente o meio ambiente?

Como sou chegada numa analogia, comparei a Terra a um ser orgânico do reino animal. Sua crosta é a sua pele. E esta pele precisa da proteção eficiente proporcionada pela vegetação -- cada região do globo tendo a sua adequada --, caso contrário, fica exposta ou sufocada, fragilizada e sujeita a ferimentos que, se não forem convenientemente tratados, infeccionam-se e se transformam em grandes tumores cancerosos.

E qual é a cracterística principal do câncer? É exatamente a proliferação desordenada, exacerbada e incontrolável de células doentes, que vão se espalhando, contaminando e carcomendo os tecidos sadios.

Exatamente como acontece no caso das grandes cidades -- e quanto maiores elas são, mais daninhas, agressivas e incontroláveis se tornam --, por isso mesmo comparei os grandes aglomerados urbanos a agressivos tumores malignos.

E tumores malignos devem ser extirpados e tratados, caso contrário levam o paciente à morte.

Afirmei, por consequência, que o correto e natural, pelo bem do organismo Terra e de seus habitantes de todos os reinos -- animal, vegetal, mineral, espiritual e o escambau -- seria que nos distribuíssemos e nos organizássemos em pequenos aglomerados, pouco densos, generosamente permeados pela vegetação, assim como minimamente pavimentados. E que essa pavimentação mínima fosse feita de tal modo que facilitasse o escoamento e a absorção pela terra das águas pluviais, de modo que os lençóis freáticos fossem constantemente abastecidos com água relativamente limpa. E assim estaríamos garantindo a sobrevivência e longevidade das nascentes dos rios, os quais deveriam ser tratados com todo o respeito. Assim sempre teríamos água naturalmente limpa e abundante. Pelo mesmo motivo, o problema do esgoto haveria de ser eficientemente resolvido com fossas sépticas coletivas, de médio porte, como já existem modelos perfeitamente funcionais em várias localidades.

Os alimentos, os mais naturais possíveis, deveriam ser plantados e produzidos perto do consumidor, pelos próprios habitantes locais, eliminando-se assim a necessidade de intermediários e de acondicionamento para transporte de longa distância. Assim como se eliminaria também o uso de conservantes para aguentar o tempo levado entre o armazenamento, o transporte, novo armazenamento, até que se chegue finalmente ao consumidor, como é feito hoje em dia. Isso ainda diminuiria custos.

O transporte dentro destas comunidades poderia ser feito tranquilamente por bicicletas ou pequenos veículos movidos a energia limpa, fornecida por baterias recarregáveis através da energia solar ou eólica, por exemplo. E o transporte de longa distância, para intercâmbio entre as diversas comunidades ou para quem quisesse, pudesse ou precisasse viajar pelo mundo, poderia ser feito por trens, barcos e até mesmo aviões, ou balões e dirigíveis, ou o que a criatividade e inventividade humana pudesse produzir.

Aqui expus tudo muito resumidamente, não pretendo abusar da paciência nem do tempo dos eventuais leitores. Mas espero ter levantado um tema que, embora aparentemente polêmico, no entanto seja passível de muita discussão e reflexão. Afinal, é assunto que afeta a todos, indiscriminadamente.

Portanto, o convite ao debate está feito -- e sejam todos bem vindos!

* Urbanismo, diferentemente do Desenho Urbano -- que seria a "arquitetura" das cidades --, é uma disciplina teórica e não exata, que trata do ordenamento e organização dos aglomerados urbanos.

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 02/10/2009
Reeditado em 28/03/2010
Código do texto: T1844037
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