CAFÉ COM LEITE

Certa vez ia destemido pelo meu sertão numa estrada de barro em meu carro 4x4, atolando e desatolando-se na areia seca do meu semi-árido explorando as terras que ainda não conhecia no meu nordeste, buscava horizontes. Vi grande sertão veredas, ó sertões. Tinha tanta sede que de longe vi lampião correndo com medo de uma raposa. Parei num riacho de água bem barrosa e cheio de sapos, afoguei meu rosto na água, o lavei e depois bebi aquela água suja. Volto a desbravar o sertão e de longe, já não mais miragem, encontro uma mulher de aspecto sofrido com uma trouxa de roupas na cabeça, uma cabaça cheia de água e duas crianças magricelas, com as costelas à mostra, “roendo” seus calcanhares. Paro e pergunto-lhe para onde vai, ela responde que andaria mais cinco léguas até chegar ao seu destino. Mandei-a entrar no carro. Ela não queria. Insisti. Ela relutou e acabou entrando.

As crianças não paravam de chorar, a lavadeira se sentia constrangida, até que num curto momento ela puxou conversa perguntando se eu queria parar pra tomar um café em sua casa, uma rede pra deitar e um rádio pra escutar uns “forró-bodó”. Agradeci, mas disse- lhe que era necessário seguir viagem. Parei em sua casa de taipa, todos desceram do carro e saíram caminhando para trás em direção ao casebre com os olhos fixados no meu rosto barbudo e nos meus verdes olhos. Todos disseram: “tchau, alemão!”. Até que não me contive e perguntei por que aquelas crianças tanto choravam. Me respondeu apaticamente que era devido já estar caindo o pôr do sol e elas só haviam comido pela manhã e só voltariam a comer na manhã seguinte, pois o leite em pó das crianças dado pelo governo só chega a durar um mês se eles comerem apenas uma vez por dia. Perguntei se não havia nada mesmo para comer. Ela disse que sim, mas só tinha café e leite.

Com os versos do poeta potiguar Henrique Diógenis, sigo essa prosa:

Sim?

Não!

Por quê?

Talvez!

Será?

Quem sabe!

O mar?

A vida!

Amar?

A morte!

A vida?

Terra!

Quando?

Na morte!

O ar?

Fede!

Alma?

Não!

O quê?

O corpo!

O sangue?

Água!

A sede?

Seca!

A fome?

Coma!

O quê?

Verdade!

Cadê?

Ali!

Onde?

Mentira!

Não?

Sim!

E tome fé que uma cesta básica vale dez vezes menos que um salário mínimo! Dei-lhe todo o dinheiro que tinha no bolso: cinco reais e trinta e cinco centavos. Não sei se iria servir, mas garanto que esmolas era a única coisa da qual aquela mulher não precisava!