Se a Juventude Que Essa Brisa Canta...

De repente, sinto-me inesperadamente velho. E o mais impressionante de tudo isso é a sensação de familiaridade com a situação.

Tudo aconteceu de uma hora para outra. Até ontem, quando olhava no espelho só conseguia me enxergar há vinte anos . Admito os limites biológicos do vigor e da disposição física, mas a mente, a percepção, a condição psicológica não correspondiam às de um homem de quatro ponto quatro.

Hoje, porém, quando abri os olhos, pela manhã, meus pensamentos já não eram os mesmos. Preocupações até então estranhas à minha rotina diária, tomaram conta de minha cabeça. E os objetivos… novos objetivos, idéias que não tinham ido dormir comigo na noite anterior, mas que me desejavam bom-dia, assim que abri os olhos.

O que acontecera ?

Senti-me como o herói kafkiano Gregor Samsa. Talvez fosse essa uma das intenções de Kafka: falar sobre as possíveis metamorfoses que podemos sofrer, de uma hora para outra, e da surpresa que nos causam, quando e se ocorrem.

Seriam fatores externos os provocadores de tais mudanças tão profundas? Ou, quem sabe, as mudanças, em verdade, já estivessem ocorrendo há tempos e, justamente nessa noite, tenham passado pelo “ponto de viragem” ( como em reações químicas ) e se tornado visíveis, ou melhor, perceptíveis.

Bem, como não sou diferente da maioria das pessoas – quer dizer, espero que não seja – talvez todos tenham seus momentos de metamorfose, alguns sem notar, outros na forma de estalos como o do padre Antonio Vieira.

Então, diante da inevitabilidade das mudanças, resta esperar que ocorram para melhor. Mesmo o temido envelhecimento, que chegue com qualidade de vida, respeito, dignidade. Que a maturidade ande de mãos dadas com o charme e - por que não? – com a sensualidade dos cabelos grisalhos.Porque, se assim não for, seremos obrigados a continuar lamentando, nostalgicamente, como na canção: “Ah, se juventude que essa brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco…”