Por uma velhice digna
Todos os dias quando eu ia e voltava do trabalho via aquela figura simpática na cadeira da varanda. Isto já não era muito comum no meu barro, pois as pessoas tinham construido muros enormes e todos se escondiam em suas casas, em seus mundos obscuros. Porém, estava lá todos sentadinha e sorridente aquela senhorinha. Cabelinho grisalho penteadinho. Mãos sobre as pernas com postura e elegância de seus tempos de moça. Vestido florido, com rendinhas e detalhes bem característicos, além de um chale aos ombros. Crochê ou frivolitê as mãos. No frio um cobertor no joelho. A´lém do sorriso largo ela sempre tinha uma benção divina a todos que por ali passasse. Ela parecia não sair da cadeira para nada, mesmo nos dias de chuva estava ela ali. Foram anos a fio, de forma que eu já havia me acostumado tanto com ela. Na verdade era uma imagem querida, que me remetia a infância e juventude quando as pessoas eram assim, bonitas, visíveis, próximas de nossos olhos e corações. Mas naquela quinta-feira de setembro eu fiquei atônita quando não a vi pela manhã. Ansiei pela volta do trabalho para poder vê-la, mas para minha surprêsa nada. E no dia seguinte foi a mesma coisa e nunca encontrava ninguém para poder perguntar por ela até que na terça da semana seguinte uma vizinha de Dona saiu no portão bem na hora que eu estava passando, meu coração disparou imaginando que poderia ter uma notícia de sua morte. Corri até ela e perguntei em sobressalto se ela tinha alguma notícia da minha querida Noquinha. Foi então que fiquei completamente chocada quando ela disse que os filhos decidiram mandá-la para um asilo para dividir a herança. Fiquei revoltada como era possível que um filho pudesse fazer coisa assim com uma mãe. Perguntei onde era o asilo e fui logo visitá-la. Não era um asilo daqueles que os velhinhos tem atividades, era um lugar triste e melancólico com um muro alto onde os velhinhos ficavam trancafiados. Ao encontrar Dona Noca quase não a reconheci. Despenteada, suginha, olhar perdido no tempo, uma tristeza infinita a tomava. Tive que me conter para não cair em prantos. Eu pedi para trocá-la e penteá-la, entraguei as frutas e guloseimas que havia levado, ela agradeceu, mas ainda com tristeza. Voltei no dia seguinte e a encontrei do mesmo modo. Depois de uma semana quando cheguei recebi a notícia de que estava na enfermaria de onde não saiu até morrer. Até hoje quando passo naquela casa que hoje já não é como era uma amargura me toma. Quanta saudade e indignação, como é possível que alguém que viveu tantos anos com alegria e dignidade, sem fazer mal a ninguém não tivesse tido o direito de morrer do mesmo modo...