Simplicidade
É difícil consolidar momentos assim. Digo a vocês: jamais vi algo transposto dessa forma, com essa clareza. É o cansaço da vida – talvez – que faz com que eu passe a averiguar as coisas com maior nitidez; simplicidade. E me foi o que eu descrevo simples, belo, gentil. Era cair de tarde. Enxerguei Valjean prostrado em uma praça, a observar pássaros. Cheguei perto dele e fiquei a auscultá-lo. Aquele olhar sereno, sóbrio, hirto, estava pensativo, como que semi-distante; parecia, pois, entregado ao momento. Vir-me-ei. Ouvi: a felicidade dos pássaros é o amor incondicional. Perguntei, rapidamente, por que ele só falava por metáforas, e ele me disse: Falo de sentimentos e eles, por si sós, são uma metáfora. Levantou-se ele, e gritou: Olhem-me! Vocês, olhem-me agora! As pessoas, desacostumadas com a sinceridade, ficaram assustadas; ainda assim, continuava ele. Olhem-me, mas não me vejam a face; vejam-me os ossos! Há tanto de belo em mim... Por que vocês não atribuem-me nada? Logo a mim, que só sei amar... Chega dessa visão espúria: esse rosto bonito é reles! Vejam-me as células, as virtudes, o crescimento: sou o que sou por dentro, o ser que é amor, e não exige menos que isso em troca. Façam-me uma troça, porém do que vive aqui (nesse momento tocou ele seu coração). Gates, disse-me, o que me tira um sorriso, agora, é a união dos pássaros, pois as pessoas estão demasiado gastas; distantes. Quero chorar, amigo, mas dessa vez sem os olhos: quero chorar por dentro. Sem palavras, afastei-me e deixei Valjean dentro de si: Em alguns momentos o silêncio é doce, como o perfume das flores. E assim foi. E assim fui – em lágrimas – de volta ao meu palácio secreto: a solidão.