Imagem: Guernica - Pablo Picasso
Música: Noturno - Chopin

O peito do frango


Há poucos dias atrás um cliente, de mais ou menos sessenta anos, que frequenta esporadicamente a minha clínica assim comentou: faço parte de uma geração que nunca comeu o peito do frango.

Sem entender a situação perguntei o porquê da questão e ele explicou: “quando eu era pequeno a minha mãe matava um frango, preparava e servia no almoço. Os melhores pedaços eram reservados para as pessoas mais velhas da casa. Minha mãe dizia que isso era uma questão de respeito. Quando me casei, tive filhos, já não se matava mais frango em casa, comprava limpo no supermercado. Minha esposa preparava o frango e quem comia os melhores pedaços eram meus filhos”.

Depois que aquele sincero senhor deixou o meu consultório, passei a pensar na situação. Ele, sem duvida nenhuma, viveu duas épocas opostas em um curto período de tempo. A primeira reinava o autoritarismo político, social e familiar; a segunda, o liberalismo geral.

Não sei qual é a melhor ou pior fase. Creio que muito do que vivemos e assistimos nos dias de hoje deve-se ao autoritarismo. O autoritarismo não é apenas “faça o que eu mando e obedeça quem tem juízo”, o autoritarismo castra os sonhos do individuo.

As pessoas oprimidas pelo autoritarismo há algumas décadas passadas, ansiavam freneticamente por liberdade. A liberdade veio rapidamente através de uma revolução de idéias e de costumes. O cadáver do autoritarismo foi sepultado rapidamente para não se putrefazer aos olhos de todos. Os agentes autoritários fugiram da cafonice e se transverteram rapidamente em liberais para não serem linchados socialmente.

Os liberais, por outro lado, assumiram uma contraposição ao autoritarismo não avaliada e não contestada. O correto era inovar, transgredir, satisfazer desejos reprimidos e atingir os fins sem se preocupar com os meios.  

Se por um lado o autoritarismo é castrador de sonhos o liberalismo excessivo é abortivo. Muitas coisas são concebidas, mas, poucas são geradas saudavelmente.

Essa revolução é observada em todos os campos da atividade humana. Na política, os oportunistas de plantão substituíram as oligarquias retrógadas. Na economia, o neoliberalismo não é apenas uma ordem econômica, sim, uma ditadura que instituem normas de consumo, linhas de pesquisas e que transformam governos liberais em conservadores. Na sociedade o salvem-se quem puder substituiu a tutela hierárquica. E na família o grito, o falar mais alto ocupou o lugar das normas respeitosas impostas.

O peito do frango continua sendo um privilégio, não uma conquista ou uma partilha. A revolução é apenas uma mudança de mãos ou de lado. Assistimos uma transformação abrupta, não uma evolução. Faltou o equilíbrio.


Roberto Pelegrino
Enviado por Roberto Pelegrino em 01/10/2009
Reeditado em 01/10/2009
Código do texto: T1841746