UMA TATUAGEM
Para minha colega Antonieta Bianchi, com muito carinho.
Horrível aqueles braços tatuados! E aqueles que tatuavam até o rosto?! Ela não gostava de tatuagem. Não entendia como uma pessoa podia marcar seu corpo por toda vida! “Tatuagem?! De jeito nenhum! Não adianta pedir, implorar! Depois dos dezoito. Faça se quiser, sabendo que detesto”. Os filhos cresceram, casaram, longe sempre dos desenhos na pele; assim como os netos. Ela conseguiu passar seu conceito para todos.
Até que um dia, no sítio, só com o marido, lendo sobre o Espírito Santo teve uma idéia. O Espírito Santo é o amor, é aquele que ilumina para decisões certas, que nos guarda da palavra errada, nos orienta para o bom caminho. Tive uma idéia! Fazer a tatuagem do Espírito Santo nas minhas costas. Ela mesma fez o desenho; um pássaro lindo, como uma águia, colorido, mas pequeno. Ele sim, quero que fique grudado em mim até a morte, pensava ela. Decisão rápida e definitiva. Não falou com ninguém. Nem com o marido. À tarde, pegou o carro e foi para a cidade realizar seu desejo. Quando chegou à clínica, repleta de jovens, sentiu-se um pouco deslocada; uns sendo tatuados, outros colocando piercings e ela? O que faria ali? Um jovem veio recebê-la. – “A senhora parece com minha tia”, falou. Deve ter pensado tudo, menos que ela fosse fazer uma tatuagem.
– “Em que posso servi-la?” Falou baixinho para não escandalizar:
- “Vim fazer uma tatuagem”.
– “Sinto muito, mas hoje não tem mais lugar. Podemos marcar outro dia. Hoje tenho um compromisso”.
– “Por favor, moço”, falou quase implorando. “Não posso deixar para outro dia. Se não fizer hoje, talvez mude de idéia”.
– “Tudo bem. Vou tentar desmarcar meu compromisso”. Foi para o telefone e voltou, sorrindo.
- “Vou atendê-la. É só esperar um pouco”. Aliviada, sentou-se e esperou sua vez. Mostrou seu desenho e o gentil rapaz começou a tatuagem conversando muito. Sentiu que ele queria, porque queria, saber a sua idade e a razão da tatuagem. Muito orgulhosa falou:
– “Tenho setenta e cinco anos e resolvi prender o Espírito Santo na gaiola da minha vida”. Mais orgulhoso falou o rapaz, dizendo:
- “É primeira vez que faço tatuagem numa pessoa dessa idade”. Ela continuou:
- “Pode contar para quem quiser. Estou muita convicta da minha decisão”. Não sofreu dor e saiu feliz, realizada. Ao mostrar para o marido não sentiu nenhuma reprovação. Apenas surpreendeu-se. Filhos e toda família ficaram realmente surpresos. Ninguém criticou. Todavia, abriram-se portas que estavam fechadas. Filhos, netos, aos poucos, mostravam suas tatuagens. Nada em exagero; um botão de rosa, uma letra... Ela liberou total. Engraçado foi na festa da família do marido. Família enorme... quando, de repente alguém descobre a velha tatuada. Todos os jovens a rodearam e queriam saber.
– “Está vendo, mamãe, tia Lúcia fez uma tatuagem! Venha ver que linda!” Resultado: tia Lúcia acabou “liberando total” mesmo toda a família. O que ela aprendeu com este fato? Seres humanos são incompletos até a morte. Estamos sempre acrescentando, cortando, modelando. Hoje pensamos de uma maneira. Amanhã mudamos de opinião por alguma circunstância. Hoje somos um, amanhã seremos outro. Isto é maravilhoso! Só não podemos mudar a nossa essência. Afinal, que mal se pratica quem faz uma tatuagem? E, ela, ainda afirma:
- “Confesso que me tem feito um bem enorme o meu Espírito Santo”.