De carteira assinada e tudo

pare para pensar nas verdadeiras profissionais do sexo:

O mais estranho de uma moça estar ali parada, com aquela mini-saia, parte da bunda para fora e um decote absurdo (não importa o frio que estiver fazendo) não é só a questão de ela estar ali disposta a transar com qualquer pessoa que pague (o que já é estranhíssimo), mas é ter que competir com suas amigas buscando convencer de que prestam o melhor serviço.

A palava ‘amigas’ aqui teve um sentido curioso, porque é o nome pelo qual uma colega de trabalho chama a outra que, na verdade, é sua concorrente. A próxima postagem vai falar sobre a propaganda no sexo.

Existem vários chavões sobre a prostituição (aqui eu não posso usar o eufemismo comercialização do sexo): ‘a profissão mais antiga do mundo’, ‘a vida fácil’… Numa mesa de botequim haverá quem diga que elas ‘prestam um serviço indispensável à sociedade’. Mas as cervejas e as piadas machistas não vão deixar que o assunto tome essa vereda. Mas aqui, agora…

É disso que se trata: prestar um serviço. As profissionais do sexo prestam um serviço a quem paga e também à sociedade. A prestação de serviço a quem paga é clara, é o toma lá, dá cá (sem trocadilhos). O aspecto mais sutil da prostituição é o serviço prestado à sociedade.

O benefício que elas trazem é sentido em dois momentos: quando elas sustentam um casamento e quando ela alivia tensões masculinas.

Digo que alivia tensões simplesmente porque não duvido de que alguma guerra tenha sido evitada ou adiada por conta de uma boa trepada. Bush não tinha Monica Lewinsky e vejam o que aconteceu. Mas a função principal é, sem dúvida, manter um casamento vivo. Na maioria das vezes elas conseguem, mas às vezes acabam estrangulando sua galinha dos ovos de ouro.

O grande problema de uma profissional do sexo ser inserida como coluna de sustentação do terraço conjugal é o risco de o marido achar que se o terraço não se sustenta sem a coluna, esta é mais importante do que o terraço em si. Em outras palavras, o cara pode achar que se é Michelly que faz ele aguentar Maria, é melhor ele largar logo Maria e ficar com Michelly, basicamente porque Michelly é muito melhor na cama (que é o lugar mais importante do mundo) do que Maria. Ele nem pensa que essa não é necessariamente uma habilidade nata de Michelly; é que a prática leva à perfeição.

Ele não percebe também que além do sexo gostoso, o desapego dela não é uma característica pessoal. É uma obrigação da profissão. Ela está acostumada a perder. Diariamente ela vê sair de sua cama homens que seriam ótimos maridos se as esposas soubessem satisfazê-los. Semanalmente ela prova e aprova com louvor um cliente diferente, mas sabe que provavelmente nunca mais vai vê-lo. Acostumada a isso, ela não cobra nada não-monetário de nenhum cliente, por mais fiel que ele seja. Não lhe interessa muito o fato de ele não ter ido à casa dela na semana passada porque estava bebendo com os amigos. Ela está acostumada a não ter o que gostaria de ter.

Ele, por sua vez, se sente feliz em ter uma mulher que não faz exigência de clima nem pede para ele perder um tempo preciosíssimo tentando excitá-la para que o sexo comece. Com ela é pá-pum. Durante o sexo, ela faz todos os sons que ele quer ouvir. E só os que ele quer ouvir. Ela pede exatamente o que ele quer fazer. A viagem dela segue o mesmo trajeto que a dele, e quando ele chega ao seu destino, ela também diz que chegou, mesmo que não tenha nem saído do lugar.

Depois de tanto trabalho ele pode fazer o que mais gosta: dormir (desde que esteja dentro das três horas reservadas). É um sono feliz. O mais feliz de todos. Michelly não quer curtir aquele ‘climinha’, aquela ‘conversinha de depois’. E é nesse momento (na transição entre a vigília e o descanso merecido, momento em que os homens falam as maiores besteiras do mundo) que ele se pergunta: por que eu ainda estou casado com aquela baranga lá de casa?

“Nada como a Mychelle. Ela só fala o que eu quero ouvir. A dona Encrenca quer conversar até quando eu estou beijando o corpo dela! Dá vontade de falar: ‘ô, filha, ocupa a boca com alguma coisa, vai!’”

Esse momento é o grande medo da sociedade: é o momento em que está sendo regada a semente que foi plantada ainda na adolescência.

Quando a planta brotar, muita gente vai querer pisar (é o momento em que o marido conta para alguns que está querendo largar a esposa para ficar com Mychelle. É o momento em que ele é chamado de ‘louco irresponsável’ por todo mundo).

Esta é uma planta que ninguém quer ver. Mas se ela foi bem plantada (e normalmente é) e bem regada, ela vai vingar. Vai começar a crescer até virar um arbusto do qual as pessoas vão sentir vergonha. Agora já não dá mais para pisar nele. Não adianta falar mais nada. Ele já largou a família e está mobiliando uma nova casa para a ‘outra’. Todos sabem que o arbusto está ali e procuram passar longe, olhando para o alto, indiferentes, nariz empinado. Agora que está sendo regado diariamente o arbusto vai crescendo até virar uma árvore grande, com um tronco forte, raízes bem firmes e flores atraentes.

Neste momento não adianta olhar para baixo ou para cima. A árvore cresceu: eles estão morando juntos. Agora só resta à sociedade abaixar a cabeça e olhar para seus próprios pés, que foram incapazes de destruir aquele vegetal. Olhar para si. Mulheres que abriram mão de preceitos morais para não perder o namorado. Lutaram para que ele se tornasse o marido. Deram adeus à sua liberdade para a manutenção do casamento. Abdicaram de boa parte da juventude e da beleza de seu corpo para viverem a maternidade, criando um elo eterno com o marido. Tiraram forças de onde não havia para continuarem cumprindo as obrigações de esposa e, no final, têm que admitir que perderam a disputa para uma prostituta puta (tirei o ‘prostituta’, com todos os aspectos pejorativos do nome, em prol do trocadilho).

A melhor forma de as mulheres aceitarem esta perda é reconhecer que as profissionais do sexo têm um aspecto muito semelhante às esposas: são fêmeas da raça humana, só que mais gostosas (no sentido prático da palavra), e por isso têm o direito de conquistar alguma coisa, inclusive os maridos das ‘certinhas’.