Fui vítima de trabalho infantil
A cidade de Viamão entrou no cenário da mídia nacional por causa da punição que uma professora aplicou em um adolescente, que num ato de vandalismo pichou as salas de aula recém pintadas de uma escola. Como eu não poderia deixar de opinar sobre o assunto, mandei esta crônica para o jornal diário de viamão, e ela passou a ilustrar uma das matérias que circulou sobre o assunto.
Ah, e vale lembrar: a cidade dos professores carrascos é a única em que os motoristas páram na faixa de pedestres mesmo que sem semáforo, para alguém atravessar a rua.
abaixo, o texto enviado ao jornal:
Vai ser um depoimento rápido, sucinto e indolor...
Sim, venho hoje me retratar como uma vítima do trabalho infantil.
Praticamente todo o ensino de nível fundamental estudei em escolas privadas... e religiosas. E como reza a lenda, todas as administrações religiosas são carrascas.
Qual a diferença entre uma escola pública e uma privada? Ora... esta é fácil! A pública forma operários, e a privada, líderes.
Mas a grande verdade é esta: os irmãos e irmãs que me educaram, faziam com que meus colegas e eu limpássemos a sala de aula uma vez por mês. Faziam com que varrêssemos a sala de aula todas as vezes que trabalhávamos com recortes de papel. E também faziam com que plantássemos árvores. E que passássemos álcool no quadro negro, sujando nossas pequenas mãozinhas... ah, e uma vez tive que ajudar a pintar as linhas de uma quadra de basquete.
Assim vivi minha infância dos seis aos treze anos. E muitas marcas foram deixadas.
Não sou uma líder, muito menos rica e bem sucedida. Mas sou traumatizada. E é este trauma que faz com que eu seja grata às faxineiras do local onde trabalho, e que eu não me importe em passar um paninho na parte de traz de um computador quando elas não alcançam. É este trauma que faz com que ensine aos meus filhos a não jogar papel no chão. É este trauma que faz com que eu não piche as obras de arte da Bienal do Mercosul, e muito menos os muros dos vizinhos, já que eu sei o trabalho que tiveram para pintar. É este trauma que me fez uma cidadã de bem, consciente de meus direitos, mas principalmente de meus deveres.
O início assusta, não é? Mas meus senhores e minha senhora, mãe de “criança traumatizada”: o Estatuto da Criança e do Adolescente tem duas partes, e não só uma. A primeira fala dos direitos, e outra dos deveres, como em qualquer constituição... mas como qualquer bom brasileiro, a maioria não lê um livro por inteiro, ou decora a sinopse se considerando a pessoa mais instruída do mundo.
Aliás... chamem psicólogos para tratar quem doa seu trabalho voluntário para pintar escolas e depois tem que assistir delinqüentes pichando. Estes cidadãos sim, tem motivo para ficarem com traumas, sofrendo com este dano moral.
Obrigada aos carrascos da minha infância. Hoje eu sei o que é educação... a que faz o caminho ser aberto para a vida.