Eu, meu amor?
Num condomínio de classe média-alta, a mulher acorda o marido:
- Marcelo! Marcelo! Você apareceu na reportagem da TV sobre a parada gay!
Ele deu um pulo, se sentou na cama e perguntou, olhando fixo para a televisão:
- Eu? Na TV? Cadê? Cadê?
- Agora já passou. A propósito, o que você foi fazer na… Olha ali, está passando novamente! Ei, que é isso? Você estava beijando UM HOMEM?
- Eu estava fazendo o quê?
- VOCÊ, Marcelo, agarrado num moreno todo molhado de suor, num beijo de novela no meio da rua!
- Eu beijando uma morena? Claro que não, amor! Você sabe que…
- NÃO, Marcelo. Seria menos mal se fosse uma MORENA. Mas era um HOMEM, Marcelo. Olha, estou ficando nervosa. Explica direitinho esta história, explica, vai!
- Meu amor, é claro que foi um engano seu! De onde você tirou a idéia de que eu beijaria um homem? E na parada gay! Como você sabe, quero dizer, por que você acha que era eu?
A imagem tinha mostrado um homem branco, de costas, sem camisa, com uma mancha perto do ombro esquerdo. Ele vestia shorts jeans, curto, justo e desfiado e estava abraçado com um negro alto e forte, com a pele escorregadia de óleo de amêndoas e áspera de purpurina. O tal abraço era carinhoso e temperado com um beijo apaixonado. Com direito a briga de línguas e tudo.
- Quantos homens têm esta mancha nas costas, Marcelo? E quantos deles estavam fora de casa ontem? E quantos chegaram com a desculpa esfarrapada de que tinham encontrado um amigo que não viam havia muito tempo?
Na véspera ele tinha saído de casa cedo, para comprar pão, e só voltou no fim da noite. Contou à mulher que tinha encontrado um amigo de muitos anos atrás e tinham ficado conversando…
Com o silêncio dele, Cláudia olhou para a televisão, tentando achar alguma explicação. A matéria sobre o encontro dos homossexuais já tinha acabado havia muito tempo e o repórter falava sobre qualquer coisa, talvez interessante, mas da sua cabeça não saía a imagem absurda de seu marido, pai de seu filho, agarrado com um viado.
Marcelo ainda estava atordoado pela forma como foi acordado e desconcertado com as perguntas de Cláudia. Para completar, ela pergunta:
- E então, Marcelo: você é gay?
- Você está louca, Cláudia? Presta atenção no que você está falando, amor.
- Ué, beijando um homem na parada gay e não é gay?
- Ah, Cláudia, por favor! Claro que aquele não era eu! Aliás, faz umas oito horas atrás eu te provei que não sou viado, lembra? E você disse que gostou bastante!
- Transar com mulher não prova nada, Marcelo. Aliás, agora até isto faz mais sentido. Você estava muito animado ontem… Tinha feito aquecimento com o negão, né?
- Olha, filha, eu vou fingir que não ouvi isto, para evitar que esta discussão vire uma briga muito séria.
Marcelo se levantou, sinceramente indignado com a mulher. Ainda que ele tivesse se atracado com outro homem, aquilo não era jeito de uma mulher falar com o marido. Saiu do quarto e foi para o banheiro tentar se acalmar.
No corredor, seu filho, que vinha saindo do banheiro, lhe diz:
- Bom dia, pai. Você é gay?
- Você está maluco, Pedro Henrique? Isto é pergunta que se faça para um pai? É lógico que não sou! Você é a prova viva disso! Se eu gostasse de homens eu teria transado com sua mãe para você nascer? A gente estaria casado até hoje? Não!
A situação se repetiu com o porteiro do prédio e com alguns colegas de trabalho que tinham visto a reportagem e conheciam a mancha que ele tem nas costas. Os colegas que não tinham assistido ao jornal ficaram sabendo da reportagem nos corredores da empresa.
Que chato! Ter que agüentar perguntas e piadinhas o dia inteiro, de todo mundo, tudo por causa de uma mancha nas costas!
Até alguns amigos de infância ligaram para seu celular perguntando se era ele que tinha aparecido na televisão. Quando ele já pensava em desligar o aparelho, sentiu a vibração no seu bolso. Depois de dizer ‘alô’ e ouvir calado por alguns instantes, quem estava perto ouviu Marcelo dizer em voz baixa e doce:
- Que é isso, Vinicius, até você? E você acha que eu te trocaria por aquele monte de músculos?