SONHOS

                    Olho atento para a caixa de coleta de cartas dos correios. Olhar fixo e apreensivo. Imaginativo. Em segundos percorro lugares e pessoas, dias e noites passam por mim feito relâmpago cortante de luzes luminosamente ardentes. Estou sentado em uma mesa de restaurante e na esquina em frente, a minha caixa amarela de correspondência. Falo minha pela própria apropriação de meus pensamentos, um direito inalienável que me assiste. Imagino que cartas estarão ali dentro, cujo destino para alguém seja a sua sina. Quem as terá mandado? Que sentimentos estarão impressos naqueles papéis? Lágrimas, sorrisos, tristezas ou alegrias? Quem sabe palavras nostálgicas de um amor distante! Palavras carregadas de suspiros saudosos ou ansiedades incontidas num mundo cada vez mais louco, solitário, confuso, embriagado de tédio e esperançoso de um amor maior?
          Continuo sentado aqui, olhar ainda fixo, buscando em minha mente o final das letras em mensagens incompletas. Tudo que me cerca parece neste instante insano, sorrisos de loucos que procuram se acharem em suas próprias loucuras de se viver escondendo seus medos e anseios. Procuro adivinhar aquelas mensagens dentro da caixa e aqui dentro de mim estou perdido também, num mundo de sonhos e de fantasias que pego emprestado nas ruas e vitrines da vida.
          Sim, tenho sonhos e imagino outros sonhos igualmente sonhados como os meus. De repente foi como se eu postasse todos os meus também naquela pequenina caixa de coleta. Desejei forte que todos eles se tornassem realidade neste mundo concreto, sem endereço definido, solto no espaço a girar em torno do cosmo infinito, na direção do nada que sempre se renova diante dos meus olhos aflitos, atônicos no universo de estrelas azuis. 
Desejei com todas as minhas forças que aquelas mensagens que ali estavam fossem mensagens de amor e paz, que não fossem comércio, mas que fossem amizade. Que não fossem cobrança, mas que fossem doação de amor por amor. Que não fossem mentiras, mas que fossem verdades e verdades que levassem mensagens de otimismo e saber.
          Levantei-me e fui embora dali. Ficou a caixa amarela de coleta de correspondência, muda, imóvel, na fria madrugada que já chegava como uma velha caduca. Ela ficou quem sabe guardando segredos que bem poucos hão de saber. Mensagens decifradas por expressões faciais que já não guardam segredos. Parti dali e ela ficou intacta, quem sabe, compreendendo que ela seria demasiadamente pequena para guardar todos os meus sonhos... Postados na vida que corre em minhas veias de homem e menino sonhador.


Conto premiado no VIII Prêmio Ideal Clube de Literatura 2003, Prêmio Caio Cid, Ideal Clube, Fortaleza, Edições Livro Técnico.
Ricardo Mascarenhas
Enviado por Ricardo Mascarenhas em 30/09/2009
Reeditado em 26/12/2021
Código do texto: T1839703
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