A PAULISTA DE TODOS OS MUNDOS

São Paulo, assim como qualquer megalópole, é palco de todos os mundos.

Quem anda pela cidade como olhos mais observadores, ainda que de relance pelo trânsito enfartado de carros e motos, ou mesmo heroicamente pelas calçadas das grandes avenidas, percebe que a cidade é um verdadeiro laboratório de cenas e fatos inusitados.

E foi assim que hoje, dirigindo pela avenida Paulista, pude ver vários tipos exóticos, de vestuários excêntricos, com linguagens corporais tão inéditas, que nos aguçam o pensamento e atiçam as letras de quem adora escrever...e descrever.

Hoje, de fato, o trânsito estava um caos, o que deveras não é nenhuma novidade. É o nosso lugar comum!

Levei noventa minutos para percorrer um trajeto de treze quilômetros, "contadinhos" no odômetro do meu automóvel.

Mas tal morosidade deveras me valeu literal e figurativamente "a pena".

Pude aprender que, embora a cidade seja cosmopolita, não se pode falar o mesmo do famoso stress.

E foi a tal lição que hoje aprendi depois de observar uma cena que me tirou um tranquilo sorriso dos lábios.

Hoje a temperatura caiu bastante por aqui e na avenida Paulista podíamos perceber que as pessoas tiraram os agasalhos dos seus baús.

Tinha de tudo! Aliás, acreditem, essa coisa de moda é uma grande bobagem. Moda mesmo é fazer a sua própria e a cidade grande é uma boa oportunidade para exercer tal criatividade.

E foi assim que "ele" fez! Inventou a sua moda!

Era impossível não notá-lo, pois justamente abaixo do termômetro de rua que acusava treze graus no final da tarde, ele parecia não sentir frio.

Vestiu seu short xadrez bem curtinho, de puro algodão, e deixou a mostra suas pernas branquinhas e raquíticas bem como seus bambos joelhos.

De pesadas galochas pretas que lhe tocavam as canelas, um homem que aparentava pouco mais de trinta anos, desfilava pela calçada agasalhado por um sobretudo de lã, preto e longo, que lhe dava uma indiscutível classe.

De barba por fazer e de higiene muito precária, ainda me foi possível, parada no semáforo, acompanhar seus últimos movimentos, antes que eu tivesse obrigatoriamente que seguir.

Mexeu numas latas de lixo, e de repente encontrou algo que muito lhe interessou.

Andou mais uns metros, se acomodou no chão da calçada, e recostado na porta dum banco, abriu uma parte dum jornal de grande circulação aqui de São Paulo, entrelaçou suas pernas e começou a sua leitura atenciosa, totalmente alheio ao entorno alucinante, apenas movimentando suas sombrancelhas sobre o olhar arregalado, provavelmente a cada notícia extravagante dum mundo que já não lhe pertencia.

E pasmem: num determinado momento, puxou um cachimbo do bolso,(isso mesmo!)- o acendeu, e displicentemente, num movimento imponente, soltou algumas baforadas de fumaça que se confundiu ao monóxido de carbono incrustado na paisagem urbana.

Não sei quanto tempo gastei lhe observando, porém, acabei por seguir em frente depois duma tremenda e irritante buzinada de alguém que atrás de mim se apressava, sem sequer desconfiar que eu tranquilamente desfrutava do último ato duma peça de teatro, que ali ao ar livre, anonimamente protagonizava a vida e enlaçava a minha emoção, ao me ensinar que naquela avenida, embora a vida sempre passe correndo, ainda é possível nos voltar aos tranquilos mundos alheios a tudo e a todos, e que quase sempre também nos passam despercebidos...

Em homenagem aos tantos artistas anônimos da vida.