MARIA DOS PACOTES, A FIGURA E O MITO
A Maria dos Pacotes, uma figura enigmática que perambulava nas ruas da cidade, chamava a atenção pela sua figura franzina e ao mesmo tempo tão cheia de vida.
Andava pelas ruas levando seus pacotes, com roupas surradas e um olhar penetrante. Não era mendiga nem pedinte, era uma senhora que tinha personalidade e não gostava quando alguém a abordasse, principalmente com deboche. Reagia com violência e gritaria, sem no entanto, a gente entender o que falava exatamente. Isso aconteceu por diversas vezes em que a vi e tirei fotos dela.
Diziam que aceitava comida ou cigarros, dos que cruzavam por ela, mas não dinheiro. Coisas que se ouvia falar, eram tantas que entrou no imaginário da cidade.
Essa perambulante segurava vários pacotes de jornais? Sabemos lá. Mas que chamava a atenção. A gente se encantava com essa personagem que nos levava a imaginar por que assumiu essa vida, já que tinha família e um lugar para ficar.
Ouvia- se dizer que acabou assim por que o noivo a deixou no altar, e depois disso ‘pirou’. Outros contavam diversas histórias, inclusive que guardava seu enxoval nos ‘pacotes’, que eram os ‘pedaços de sua vida’.
Por diversos lugares a gente esbarrava com a Maria dos Pacotes, com sua pequena estatura de um olhar , quase sempre distante, parecia estar em outro mundo, outra realidade.
Certa ocasião, uma senhora a acolhei em sua residência para lhe dar abrigo, comida e queria lhe dar lições de evangelização. Isso durou pouco tempo, pois a Maria não se sujeitava a um banho, a uma ordem, às regras. Simplesmente fugiu para o que queira: ter liberdade de perambular pelas ruas.
Personagem típico que acabou incorporando-se à paisagem urbana.
Um dia, sua foto apareceu nos jornais dizendo que a Maria dos Pacotes foi atropelada e que passava seus dias isolada no fundo de um quartinho no fundo da casa de sua família, e que estava abandonada ao seu destino, sem ser cuidada como uma idosa deveria. Teve até boletim de ocorrência e a vistoria de policiais para verificarem a veracidade do assunto. Depois disso, virou lenda.
Diziam que era de origem russa, que falava russo e inglês e que fora abandonada no altar. Isso parecia uma lenda, que no entanto pode ter sido real, pois foi achado jornal na sua cama, após sua morte recente 5 de janeiro de 2009.
Agora, depois de muito tempo, a notícia de sua morte nos jornais locais, mostraram que a senhora de 84 anos, com o nome de Carlota Edith Barbieri, tinha uma história real e que viveu o drama da rejeição no amor, na amizade e quem sabe o que mais. Acharam um jornal de 1960, após sua morte, na cama onde estava deitada com notícias do seu drama de rejeição amorosa, que , segundo boatos, foi o motivo de seu problema de desajuste social.
Para os que a conheciam como a mulher dos pacotes, daí o apelido de ‘Maria dos Pacotes’, não importa a vida da Carlota, mas a personagem perambulante que seguia pela ruas centrais, e que até se tornou o ‘bicho papão’ usado pelas mães para assustar as crianças desobedientes. No entanto, Maria não assustava ninguém, mais despertava a curiosidade , a piedade ou outros sentimentos dos que a conheceram, ou simplesmente, ouviram falar dela.
Foi-se Carlota Edith Barbieri, ficou a lenda da ‘Maria dos Pacotes’ no imaginário popular, como um personagem que se incorporou nas histórias locais, como outros, que também se foram, mas não deixaram tanto rastro como a Maria e seus pacotes.
Inspirou artistas, escritores ( numa crônica ‘Maria dos Pacotes’, de Lygia Guião Maroni in “Anseios e Devaneios’. Tornou-se o motivo de um monólogo ( Maria e os pacotes’ de Marcos César Duarte).
Assim, foi a Maria dos Pacotes carregando seus pacotes, e agora, no outro espaço do além.
Foi-se um ser humano, surgiu um Mito.
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No catálogo da II Exposição Individual de Fotografias de Regina Kalman, em 1981, na Imagem , Oficina de Fotografias Ltda., a foto “Maria dos Pacotes’ foi assim ilustrada:
“ Nas ruas estreitas e tortas da cidade
Entre carros e pedestres apressados,
vai a Maria carregando seus pacotes.
São embrulhos de diversos tamanhos.
O que trazem?
Ninguém sabe...
Só que eles, e sua dona,
ficaram famosos,
pois tornaram-se parte da paisagem.”
(Regina Kalman, Jundiaí, 1981).
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Jundiaí, janeiro de 2009