Meu Primeiro Relógio
Fiquei com a lembrança daquele objeto até hoje, não sei se por ter sido o mais desejado, ou talvez, seja porque para tê-lo foi feito um grande sacrifício: um sacrifício de amor. Lembro que naquela época poucas pessoas usavam um relógio, hoje uma peça essencial; antes objeto de luxo, algo, portanto dispensável.
Meu pai sabia do meu desejo, e para realizá-lo fez o sacrifício de vender uma TV. Era mais importante o aparelho porque servia para entretenimento da família, mas ele decidiu por demonstrar seu amor através desse gesto. Depois compraria outra... Quando o dinheiro sobrasse... Coisa rara, porém ele quis assim.
Quando meu pai chegou com o presente, mostrou para todos, e quando pensei que tinha sido comprado para minha mãe ou quem sabe para minha irmã mais velha, ele me chamou e disse: ‘é seu. ‘
Olhei deslumbrada para aquele relógio. Não sabia se ria, chorava ou pulava. Fiz força para estar à altura da situação, e toda orgulhosa o pus no braço, e fui desfilar. Lembro que a marca era Orient, fundo lilás, os ponteiros brilhavam no escuro, cor prata.
Num domingo, saí eu e mais duas irmãs para um passeio. Não imaginávamos que iríamos derramar muitas lágrimas. Ríamos o tempo todo. Minha irmã mais velha, com dezesseis anos era a mais responsável e o tempo todo me mandava baixar o braço, e andar o mais natural possível, pois segundo ela eu parecia um pavão se exibindo toda. Lembro que olhei pela última vez para meu relógio que marcava 13h40min, pouco tempo depois um puxão no meu braço, um vulto passando correndo. Sem pensar duas vezes ainda corri atrás tentando pegar meu relógio de volta. Como, não sei, só sei que corri como se tivesse numa maratona. Subi aquela ladeira para perceber na metade do caminho que jamais conseguiria alcançar o gatuno. Chorei.
Desci sem enxergar mais nada a minha volta. Embaixo encontrei minhas irmãs chorando e pensando como diriam para nosso pai que o relógio se fora num piscar de olhos. O passeio acabou ali. Voltamos para casa, contamos para nosso velho pai e ele, nos respondeu com aquele sorriso amigo e protetor:
- O importante é que ele não machucou vocês. Vão-se os anéis, ficam os dedos.
Passando aquela maõzona na minha cabeça, acrescentou:
-Depois compro outro, deixe pra lá. Enxugue essas lágrimas, agradeça a Deus por ele não ter machucado vocês... Agora uma coisa dona marechal, nunca mais tente correr atrás de um marginal, nem reaja a um assalto. Eles vêm prontos pra tudo, e você nunca, mas nunca mesmo deve reagir. Prometa.
- Mas meu pai, agora nem TV nem relógio! O senhor fez um grande sacrifício!
- Filha, o mais importante eu tenho, que são vocês. O relógio, a TV são apenas coisas materiais. Nenhum dinheiro no mundo compraria a vida das minhas filhas.
Ali aprendi mais uma lição, e hoje tento passá-la para meu filho. Nada substitui ou tem mais valor do que nossos filhos.