Óculos

Sou míope. Irremediavelmente míope. Desses que não se separam de seus óculos para nada – às vezes nem na hora do banho. Mesmo que quisesse me separar deles não conseguiria, não enxergo um palmo diante de meus olhos. Confundo cachorro com gente; jarro com gente e certa vez achei que o eletricista, que ajeitava a fiação de um poste, fosse o boneco da malhação de Judas. Meus amigos acham meus óculos feios, grandões e se as meninas do Leblon não olham mais para mim, eu uso óculos. Já me sugeriram o uso de lentes de contato. Sempre digo que não tenho higiene para usá-las. Mentira. O que tenho mesmo é um medo danado de colocar qualquer coisa nos meus olhos. Até mesmo um simples colírio torna-se uma luta cansativa entre minha razão – que diz que devo usar o colírio – e meu corpo – que diz que não devo em hipótese alguma abrir meus olhos.

Ter medo de mexer em meus olhos é só um dos diversos medos que possuo. Aliás, não só eu, mas a humanidade toda. Temer algo pode ser um sinal de prudência ou pode ser um traço da mais absoluta covardia. Medo da morte, de dívida, de assombração. Há medo para tudo: dos mais sérios aos mais absurdos. Enquadro-me no segundo grupo, dos que tem medo de bobagem. Imaginem só, tenho verdadeiro pavor de peixe-boi. Detalhe: nunca vi, pessoalmente, um em toda a minha vida, mas mesmo assim tenho medo – vai entender! Com relação às pessoas do segundo grupo, essas têm motivos de sobra para justificar seus temores. Basta assistir quinze minutos de noticiário para se saber do que estou falando. Gente, é uma notícia mais assustadora que a outra. Alta do Dólar, crise econômica mundial, gripe suína, desemprego, violência, Fluminense na zona do rebaixamento, senado federal, Sarney – este já é até especialista, todo ano arruma um jeito novo de botar medo na gente.

Se remédio de doido é doido e meio, o antídoto para o medo só pode ser a valentia. Para tudo dizem que existe uma resposta. Então você se protege com segurança privada, com grana, com incenso e até com mandinga. Eu rezo para são Miguel Arcanjo e você? Medo é um estado de alerta, de sobreaviso, portanto, antinatural, embora o caos em que vivamos justifique certo tremor de pernas. Um dia hei de ser valente que nem o meu avô. Hoje não, por enquanto vou ficar bem caladinho, escondido, com medo. Onde será que deixei aquela imagem de são Miguel Arcanjo?

Thomaz Ribeiro
Enviado por Thomaz Ribeiro em 27/09/2009
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