ESPIRITUOSAS QUIRINADAS
Itamaury Teles
Em meu deambular pelo Café Galo, normalmente fico sabendo das acontecências das últimas horas. Como é notório, os fatos e os boatos ali chegam primeiro que em qualquer outro lugar da cidade.
Ali tomei ciência, no início da semana passada, do falecimento do fazendeiro conhecido por João de Quirino. Aliás, conhecido como fazendeiro ele não era muito, mas como grande contador de estórias sertanejas, isto sim.
Conheci o João faz pouco tempo, alguns anos depois de saber da sua fama de excelente “causeur”, por intermédio do meu cunhado e ex-suplente de senador, Omir Antunes.
Para o Dudu Guimarães – ou da Farmácia -, João de Quirino equiparava-se ao Zé Amorim em espirituosidade, em engenhosidade no falar manso. Omir, contatado por mim para informar-lhe da triste notícia, também se manifestou da mesma forma, ratificando a opinião do Dudu.
Assim, vai-se o João de Quirino e ficam as suas memoráveis estórias...
Consta até que o Dezinho Dias, seu amigo de longa data, possui fita com gravações de seus causos. Se for verdade, já estou na fila para conseguir uma cópia...
Omir lembra-se de uma vez que o João o procurou para negociar alguns reprodutores.
- Vamos lá na fazenda, senador. Tenho uns 20 reprodutores lá, de cabeceira, que quero te mostrar, em primeira mão. Depois, a gente aproveita e come um franguinho de canela amarela...
Omir foi, gostou de dois reprodutores e quis saber o preço. João, notando que ele havia escolhido os melhores, botou o preço lá em cima. O “senador” regateou de cá, pediu menos de lá e coisa e tal, e acabaram chegando a um acordo quanto ao preço. Grande negociante como sempre foi, Omir deu a tacada final:
- O preço tá bom pra mim, João. E o prazo?
- Te dou prazo, “senador”...
- De quantos meses, João?
- Te dou o prazo de uma gravidez de preá...
- Gravidez de preá, João. Quantos meses?
- Não, “senador”. Gravidez de preá é de 30 dias...
Riram muito e, depois do negócio feito, com Nota Promissória assinada, comeram o frango de canela amarela, que nada mais era que um legítimo carijó caipira – de bota rangedeira, cigarro de palha e tudo o mais -, acompanhado de coentro verde e pirão de mulher parida...
Ao final do prazo, Omir ligou para o João, às 9 da manhã, para que ele fosse ao seu escritório receber o dinheiro, contra entrega da Nota Promissória quitada. Recebido o valor, João de Quirino criou, na hora, novo apelido para o “senador”:
- Ê, “Banco Central”! O negócio aqui é na base do dinheiro vivo. Se fosse outro comprador, só me dava o cheque cruzado depois das 4 da tarde, para ser depositado e compensado...
Noutra feita – conta-me o Dudu da Farmácia –, o João de Quirino estava numa rodinha falando da grande colheita que havia feito em seu milharal. Mas no grupo havia um caboclo chato, daqueles que queriam tudo muito bem explicadinho...
E o João lá, empolgado, dizendo que havia colhido 6 carros de milho, um colosso de colheita para uma área tão pequena. Nisso, o chato que pescoçava a conversa, o interpela retrucando que conhecia o referido milharal e que ele não poderia ter colhido tanto naquela área.
- Então, foram 5 carros de milho – titubeou João.
- Não pode ter sido tanto não, João. Foi menos. – interferiu novamente o chato.
- Quatro carros – falou sem muita convicção.
- Tá muito, João!!! Tá demais...tá exagerado.
E João foi baixando, baixando, até esgotar a sua paciência. Foi aí que, já chateado com tanta interferência, capitulou:
- Quer saber de uma coisa, seu chato. Colhi mesmo foi meio saco de milho. Agora, eu num tiro mais nem uma espiga...
Assim era o João de Quirino, profundo conhecedor da nossa gente, das nossas coisas, bichos e costumes. Com o seu falecimento, perde o folclore regional um de seus grandes ativistas, mas o céu fica mais animado. Com certeza...