O BOM BICHO PAPÃO...

O BOM BICHO PAPÃO...

Tinha um cara aqui perto de casa que fez um barraquinho num terreno baldio.

Ninguém sabia seu nome nem de onde veio. Ele era só.

Saia todos os dias com sua improvisada carroça para recolher matérias recicláveis e só retornava no final do dia com algumas coisas que comprava para cozinhar no fogareiro velhinho.

Nunca falava com ninguém e com o passar do tempo as pessoas haviam acostumado com sua triste e solitária figura no cotidiano dos moradores dessa região.

As mães quando passavam com seus filhinhos endiabrados falavam apontando para o ermitão

-Ou para de fazer arte ou mando o bicho papão levar você na carrocinha e cozinhar naquele caldeirão.

Eu odiava aquilo e tinha vontade de eu mesma cozinhá-las no caldeirão do bicho papão.

Certa vez estava eu passando pela rua e vi ele procurando algo nos matos.

De repente vi ele sair com onze cachorrinhos recém nascidos.

Pela primeira vez o vi sorrir e acariciar os animais. Levou-os para seu casebre e providenciou uma caixa de papelão, tirou seu casaco roto e suado e colocou delicadamente nos bichinhos. Em seguida saiu retornando logo depois.

Vi quando pegou uma velha tigela e colocou leite para os famintos cãezinhos.

Esses sem experiência caíram dentro da travessa e aquele homem tão sério virou de repente criança. Ele ria e arrumava os bichinhos falando que tinha para todos.

Fiquei encantada e confesso que emocionada chorei.

Aproximei-me dele e perguntei se iria ficar com todos. Ele me fitou por um longo tempo e respondeu

- Dona, vou sim, é muito duro a gente adulto se virar só...imagine esses bichinhos tão inocentes e sozinhos.

Sai dali um pouco triste, fiquei imaginando como o ser humano pode ser monstro e tão angelical. Como somos diferentes e as vezes tão iguais.

Um dia acordei com um barulho de tiros, sai correndo e diante do casebre daquele homem, haviam quatro viaturas corri para saber o que havia acontecido.

O homem estava caído morto a tiros.

Depois ouvi alguém falar que ele estava roubando leite no mercadinho da rua e quando foi descoberto gritou que não tinha dinheiro e os cachorrinhos estavam com fome.

O dono do mercado disse que iria chamar a polícia. O homem veio correndo e a policia atirou.

Nesse momento percebi que os cachorrinhos estavam subindo no corpo sem vida do homem.

Chorei muito e os trouxe comigo.

Sobrou só um, os outros foram crescendo e até o dono do mercadinho adotou o mais magrinho.

O terreno foi limpo o dono apareceu e cercou para ninguém mais invadir.

Mesmo assim aqui do meu terraço, ainda vejo o mesmo cenário. Vejo aquele homem rindo e brincando com os cachorrinhos. Ele brincava até de esconde-esconde .

Que saudades do bicho papão.

ELISABETHDOVITAL
Enviado por ELISABETHDOVITAL em 26/09/2009
Código do texto: T1833016
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