O GARGALO NO PESCOÇO

As noites de sábado em Buenos Aires são a apoteose de uma verdadeira festa coletiva. Praticamente todos saem para se divertir, indo aos teatros, cafeterias, restaurantes, lanchonetes, fast foods ou simplesmente vão circular no micro centro - na Nove de Julho, na Corrientes, na Praça da Liberdade - para passar o tempo e ver as estrelas contando as pessoas indo e vindo por cada centímetro quadrado desses lugares. Mas sendo a capital da Argentina uma extraordinária megalópoles com seus inúmeros bairros - Recoleta, Puerto Madero, Palermo, entre outros - cheios de atrações diversificadas e onde pululam restaurantes desde os mais simples até os altamente sofisticados, portenhos e turistas se dividem entre eles e por eles se multiplicam enchendo as ruas.

Nós ficamos hospedados no 725 Continental Hotel, de primeira linha, confortável, bom e educado atendimento, um suntuoso edifício situado numa rua diagonal à Av. Corrientes, próximo da Casa Rosado, da Catedral Metropolitana, do obelisco - o símbolo maior e um dos mais impressionantes de Buenos Aires - , do Teatro Colón e do grande rebuliço sabatino noturno. Em razão disso, ficava fácil e rápido o acesso ao burburinho da cidade pulsando madrugada afora. Como tínhamos planejado jantar depois das vinte e duas horas no restaurante Siga La Vaca, em Puerto Madero, antes fomos bater pernas pelo coração da Corrientes passando pelo obelisco e pela Av. Nove de Julho no meio do vai e vém do povo em busca de diversão. O local é extenso, quilométrico mesmo, e por lá milhares de carros circulam em todas as direções enquanto as pessoas aguardam o sinal abrir para começar a correria de atravessar de um lado para o outro. Nas proximidades estão os teatros, cinemas e uma gama de cafeterias e restaurantes que ficam lotados, e às vezes se formam filas enormes com pessoas esperando pacientemente enquanto praticamente todos fumam ávidos os seus malditos cigarros. Nesse dia a peça O Fantasma da Ópera estava sendo encenada num grande teatro e havia uma extensa fila que dobrava a esquina, coisa que raramente se vê onde moro.

Durante o nosso passeio caminhamos distraídos e felizes na pracinha ao redor do obelisco, admirando o regozijo nos rostos dos notívagos, usufruindo de cada instante da viagem que nos levou até Buenos Aires.

Casais nos bancos em derredor namoravam, crianças brincavam e a noite se ia prometendo ser dominada somente pela alegria da vida em movimento. Como eu estava enganado pelas aparências, pois de súbito uma garrafa sendo violentamente jogada no chão por alguém dominado por violenta emoção e fazendo aquele surpreendente barulho assustador nos provocou calafrios. Quem esperaria esse tipo de coisa naquele momento em que só pensamos que o mundo é feito de alegria e sorrisos? Muita gente começou a correr para longe do local de onde partira o ocorrido, inclusive nós. Olhamos para trás e descobrimos a origem do incidente: a garrafa havia sido jogada por uma mulher que, agora, agarrou desesperada o gargalo quebrado e encostava na própria jugular, aos gritos altíssimos dizendo que ia se matar, entre outros impropérios. Um homem, que certamente estava com ela, namorado talvez, saltou sobre ela e segurou com força a mão onde o gargalo pontudo chegava perigosamente perto da garganta da mulher. Eu e Ana, diante da cena inesperada, apressamo-nos em nos afastar dali o mais rápido possível enquanto a confusão e gritaria do casal prosseguiam. Não vimos um policial nas proximidades, ninguém tentou separar o casal engalfinhado, o afiado gargalo entre eles, e quando já estávamos longe do palco sangrento procuramos vislumbrar a quantas ia o acontecido e notamos, atônitos, que ninguém mais gritava e o casal trocava beijos ardentes como se nada tivesse ocorrido. Cada uma com que nós nos deparamos! Tranquilizados por tudo ter acabado em paz, a festa portenha se intensificando quanto mais o tempo passava, seguimos pela Corrientes noite afora enquanto não vinha o momento de irmos para o restaurante Siga La Vaca.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 26/09/2009
Reeditado em 27/09/2009
Código do texto: T1832733
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.