ETAPAS

Estou sozinha, num silêncio sem luz, isolada do mundo. A penumbra do quarto dá mais destaque ao barulho monótono da chuva que já dura há horas. Uma vela ilumina parcamente as paredes, dando aos objetos dimensões irreais.

Me sinto transportada a um passado longínquo, como se um filme repetisse momentos vividos.

Sou, neste instante, uma criança ingênua e barulhenta, como são todas as crianças, sem grandes sonhos, vivendo uma infância que foi plena em fantasias. Uma criança que não sabia do mundo, porque o mundo não a preocupava. Meu mundo era feliz e completo.

Mais uma cena, e me vejo ansiosa por ser grande e realizar os sonhos que me enchiam a cabeça. Sou, neste instante, uma adolescente perdida em ilusões, com perguntas grandes demais para um ser tão imaturo ainda. Um ser em dúvida por não ter mais a espontaneidade da criança que era e por não ter ainda a clareza do adulto que não é. Uma adolescente que não sabia dos desenganos do mundo, porque nesse mundo não cabiam desenganos. Meu mundo era um castelo de sonhos e projetos.

O tempo foi passando, mais uma cena, outro cenário. Estou crescendo! O horizonte que eu vislumbrava se fez gigante e amedrontada eu mergulhei no turbilhão das oportunidades e quiz crescer mais. Outros convívios, novas caras, gente amiga, enganos, tropeços, lágrimas, tentações. Uma descida, uma caída. Um novo alento, um sorriso, recomeçar. A saudade da criança que eu era por vezes me assaltava e quantas vezes desejei retornar no tempo para correr despreocupada e descalça, cabeça vazia! As lembranças da adolescente ingênua que fui passavam por minha memória e quantas vezes tentei reviver os amores tímidos e puros dos meus sonhos!

O tempo implacável não perdia um segundo e mais veloz se fazia. Com ele eu passava e crescia. Errei mil vezes, tentei outras mil, caí, levantei, tornei a caminhar. Mas vivi, sorri e fui feliz outras mil vezes. Observei, cataloguei e firmei valores.

O presente... A vela está no fim, a chuva na metade, a noite se esvaindo. Eu me sinto no começo, agora real, ao vivo.

Sou uma soma, neste instante, das três etapas da minha vida. Reencontrei um pouco da criança que eu era na fantasia que me trouxe teu sorriso. Retornei a adolescência na pureza que expressa teu olhar, na sensibilidade que te escapa pelos poros. Reafirmei os meus valores adultos no sentimento vital que me inspiras.

A chuva não pára, a noite caminha, a vela morreu.

Eu sinto uma melancolia (saudade?) feliz (???). Na sonolência que me invade já vislumbro tua presença em meus sonhos...

Giustina
Enviado por Giustina em 26/09/2009
Reeditado em 14/02/2014
Código do texto: T1832047
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.