Minha mãe e os Poetas

Aprendi a gostar de poesia com minha mãe. Ela, sentada a maquina de costura, muitas vezes, parava o que estava fazendo, apanhava a antologia poética de seu tempo de colégio e lia para mim poemas de:

Gonçalves Dias, como: “Canção do Exílio (...) Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá (...) ou “Juca Pirama” (...). Meu canto de morte, guerreiros, ouvi; Sou filho das selvas, na selva cresci (...)

Eu, menina de nove anos, sentava no chão perto da maquina de costura, deslumbrada, escutava ela declamar. Para mim, na época, sua impostação de voz era melhor do que de qualquer radio atriz.

Com orgulho minha mãe me contava que tinha sido a oradora de sua turma, quando concluíra o Curso Normal.

Nesses momentos de leitura eu manuseava os livros de poesia, conhecia os poetas, seus retratos e algumas obras ali impressas. Entretanto, eu ainda tropeçava nas palavras e ficava a pedir que minha mãe os lesse

Pela voz de minha mãe:

Tomas Antônio Gonzaga me falava de “Marília de Dirceu” (...) Graças, Marília bela, Graças á minha Estrela! (...)

Casimiro de Abreu relembrava “Meus Oito anos” (...) Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida (...) ou definia “Deus” (....) Meu filho, um ser que nós não vemos, Maior que o mar que nós tememos, Mais forte que o tufão, meu filho, é DEUS! (...)

Castro Alves mostrava as atrocidades da escravidão em “O Navio Negreiro” (...) Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura.... se é verdade tanto horror perante os céus?! (...) E bradava em “Vozes da África” (...) Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes! (...)

Francisco Otaviano demonstrava a “Ilusões da Vida” (...) quem passou pela vida em brancas nuvens e em pálido repouso adormeceu;.... Só passou pela vida , não viveu. (...)

Luis Guimarães Junior cantava sua “Visita a casa paterna” (...) Como a ave que volta ao ninho antigo, depois de um longo e tenebroso inverno, Eu quis também rever o lar paterno, O meu primeiro e virginal abrigo. (...)

Raimundo Correa ensinava a não acreditar nas aparências ‘Mal Secreto” (...) Se a cólera que espuma, a dor que mora na alma e destrói cada ilusão que nasce (...)

Olavo Bilac me levava a conversar com a “Via Láctea” (...) Ora (direis) ouvir estrelas! (....)

Vicente de Carvalho me fazia refletir sobre um “Velho tema” (...) Só a leve esperança, em toda a vida, disfarça a pena de viver, mais nada (...)

Catulo da Paixão Cearense cantava as belezas do “Luar do Sertão”(..).Não há, ó gente, oh não Luar como este do sertão (...)

Cassiano Ricardo despertava meu nacionalismo cantando “Os nomes dados a terra descoberta”(...) Por se tratar de uma ilha / deram-lhe o nome de ilha de Vera-Cruz / Ilha cheia de graça / Ilha cheia de pássaros / Ilha cheia de luz (....)

Minha mãe só conhecia os poetas antigos. Por isso, só mais tarde, já no antigo ginasial, fui apresentada a:

Cecília Meireles que hoje releio “Retrato” (...) Eu não tinha esse rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. (...)

Manoel Bandeira trazia nostalgia e “Desencanto” (...) eu faço versos como quem chora... De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. (...)

Vinicius de Morais cantava o amor “Soneto de Separação”(...) De repente do riso fez-se o pranto (...) ou a crítica sócia em “Operário em construção”(. .) Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas. Que lhe brotavam da mão (...)

Cora Coralina com sua sabedoria e ternura ensinava como: “Saber Viver” (...) Não sei... se a vida é curta ou longa demais para nós, Mas sei que nada do que vivemos Tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas (...)

Carlos Drummond de Andrade interrogava ao sofrido “José” (...) E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou / e agora, José? E agora, Você?Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José? (....)

Clarice Lispector me levava a pensar e a pedir “Meu Deus, me dê a coragem” (...) Meu Deus, me dê a coragem

de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,

todos vazios de Tua presença (...)

Adélia Prado mostrava que tudo é possível “Impressionista” (...) Uma ocasião, meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. Por muito tempo moramos numa casa, como ele mesmo dizia, constantemente amanhecendo (...)

Affonso Romano de Sant'Anna foi objetivo em “Carta aos Mortos” (...) Amigos, nada mudou em essência. Os salários mal dão para os gastos, as guerras não terminaram há vírus novos e terríveis, embora o avanço da medicina. (...)

Não posso esquecer-me de Fernando Pessoa com seus heterônimos:

Ricardo Reis, contido e disciplinado, me diz: (...). A realidade / Sempre é mais ou menos / Do que nós queremos/ Só nós somos sempre / Iguais a nós - próprios. (...)

Álvaro de Campos, critico, irreverente, cansado, me leva a considerar “Aniversário”...) No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, / Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,/ De ser inteligente para entre a família, / E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. (...)

Alberto Caeiro, sábio e simples mostra-me que o mais importante é ver, ouvir e sentir “O Guardador de Rebanhos” (...) Sou um guardador de rebanhos/ O rebanho é os meus pensamentos/ E os meus pensamentos são todos sensações. (...)

Apesar de apreciar literatura, nunca me senti capaz de escrever algo. Sou muito mais leitora. Se hoje insisto em escrever e para ver se aprendo (como diz meu amigo Rosso, aqui do RL. Mas ele não tem mais nada que aprender. Ele sabe tudo; É um mestre)

Eu só me atrevi a escrever ao chegar a ultima etapa de minha caminhada; como desafio e desabafo.

E assim...

Guardando rebanhos, de poetas, que preencheram e preenchem minha vida interior, não me deixando estar em solidão: Um dia, me tornei pintora para ter, assim como Caeiro, o meu rebanho: feito de telas e tintas.

Obrigada minha mãe, por ter me alimentado: com seu leite, sua oratória e sua sensibilidade.

Lisyt

Lisyt
Enviado por Lisyt em 25/09/2009
Reeditado em 10/05/2020
Código do texto: T1831947
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