No Grande Software

No Grande Software

Foi com uma ponta de aflição que aceitei a incumbência de redigir o manual de instrução do Grande Software. A aflição veio quando descobri que não haviam alternativas. Tens de entender e interpretar, me disseram, e colocar tintin por tintin como funciona o Sistema Operacional do Grande Software. Indaguei se teoria valia e me avisaram que ninguém vive de teoria. E antes que eu pudesse efetuar mais algum protesto, esclareceram que contra fatos não há argumentos. Cada uma..., pensei. E me dispus a enumerar, numa interpretação por assim dizer, passo a passo, como funciona o Grande Software. Ou antes, como é a vida no Grande Software.

Passo um: quando você espera um espinho, vem uma flor. Quando você espera uma flor, vem um espinho. É tudo muito misterioso no Grande Software. Também é tudo um tanto animado. Basta observar.

Passo dois: do nada, as coisas aparecem nas suas mãos e quando você menos espera, elas desaparecem. Vai por mim que não estou mentindo. Já aconteceu comigo várias vezes.

Passo três, e já vou logo esclarecendo que esse negócio de passos é meramente retórico, poderíamos substituir por itens ou tópicos que não faria diferença alguma e, ainda por cima, a ordem aqui exposta é antes de mais nada figurativa. Digo isso porque é extremamente fácil se atrapalhar no meio do Grande Software. Enfim, passo três, ele funciona independente da sua vontade. Houve época em que eu achava isso balela, mas depois passei a acreditar.

Passo quatro: você tem um único amigo no Grande Software. Detalhe: é melhor você ficar amigo dele o quanto antes, pois ele é um cara difícil de se compreender. Parece que foi o tal, o que elaborou o Grande Software.

Passo cinco: é impossível desistir. Cá pra nós, já tentei algumas vezes, daí parece que tem alguma coisa cutucando, cutucando e o resumo da ópera já foi até musicado: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. O mais estranho é que você acha que não vai conseguir. São momentos que...tsk, vou te contar, são de lascar.

Passo seis: tudo passa no Grande Software. Se não é hoje é amanhã, senão depois, mas passa. Até o que parece não passar nunca, acaba passando. Verdade seja dita, a vida no Grande Software é cheia de pegadinhas, quando você pensa que é para avançar, está na hora de pausar, quando você tem certeza absoluta que chegou a hora de pausar aparecem um morro e uma ladeira, colocaram um skate debaixo dos seus pés e você já está subindo e descendo.

Passo sete: a importância das coisas no Grande Software. Isso mesmo. É sobre isso, esse passo, o passo sete. Sobre a importância das coisas no Grande Software. Troço cabuloso. A gente fica meio desorientado para falar desse passo. Não sei se já aconteceu com você, achar que uma coisa é muito, muito importante, e depois...

Foi justamente ruminando neste estágio que eu falei para eles que não conseguia escrever mais uma linha sobre o assunto. Expliquei-lhes que sou um tanto limitado, que se me derem duas tartarugas para tomar conta eu perco uma, e que com toda a probabilidade esse relato descumpriu seu intento.

Eles retrucaram que isso não tem a menor importância ou antes, que tem a mesma importância de qualquer relato. O Grande Software se regozija quando falam dele, afirmaram.

Ao notarem minha expressão quase dissilábica, se preocuparam em explicar que o Grande Software está dentro de mim. E mais, que ele se manifesta através de mim. Como eu permanecia estático diante de tal revelação, achei que fossem me censurar ou algo do gênero, cheguei a supor até que fossem me dar um espinho.

Não fizeram nada disso. Acenaram, partiram e deixaram uma flor.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 25/09/2009
Reeditado em 25/02/2013
Código do texto: T1830911
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