AS ANDORINHAS
Todos os dias, ao cair do crepúsculo, as andorinhas entram em algazarra na cidade e vão, todas, pernoitar no velho tarumã do pátio do Fórum.
É muito bonito acompanhar, sob o fundo sanguíneo do céu, o balé que elas fazem, ao longo do trajeto que as levam a tal árvore. Tem gente que se emociona e, lágrimas descendo as faces noturnas, eleva preces a Deus, bendizendo-o.
Sempre que as vejo, lembro-me de Manuel Bandeira, o bardo recifense radicado no Rio de Janeiro. Imagino-o, em sua casa, na Rua Curvelo, no ano de 1920, em repouso por causa da tuberculose. Ali, na solidão da tarde, vendo as andorinhas pela janela do quarto, compõe o famoso poema “Andorinha”, publicado em “Libertinagem”, de 1930: “Andorinha lá fora está dizendo:/ - “Passei o dia à toa, à toa!”/ Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!/ Passei a vida à toa, à toa...”
Hoje as andorinhas não vieram nem no seguinte e nos demais. A cidade ficou triste. Muita gente, ao cair do crepúsculo, continua a olhar para o céu, na esperança de vê-las chegar. A minha teoria é de que elas foram aquecer a vida fria de algum poeta tuberculoso por aí...
Mas chega o dia da derrubada do velho tarumã. As máquinas de terraplanagem da construção do prédio do novo Fórum estão impacientes, necessitam, por força de contrato, iniciar os trabalhos. E assim, alheias aos apelos populares, botam a árvore abaixo. Fiquei chateado, pois essa árvore fez parte da minha adolescência e mocidade. Eu a via, no mínimo, três vezes ao dia, quando passava pela Pedro Celestino rumo à Escola.
E a vida continua. Nada é para sempre. Pelo menos é essa a lição que nos passa “Todos os homens são mortais”, romance de Simone de Beauvoir, a mulher de Sartre. Todo homem morre, todo cachorro morre, toda galinha morre, toda borboleta morre, toda árvore morre...
Tempos depois, sentado na varanda a ler “O leitor apaixonado”, de Ruy Castro, vejo, espantado, uma andorinha solitária a balançar-se no fio de luz da rede elétrica na frente de casa. Que alegria! Será coincidência, tocar neste instante no rádio, na voz do Trio Parada Dura, aquela velha canção que diz: “as andorinhas voltaram/ E eu também voltei/ Pousar, no velho ninho/ Que um dia aqui deixei/ Nós somos andorinhas...”?