A VIDA EM SATURNO

Corria o ano de 2003, pleno verão. Eu agora aposentado, morando na Cachoeirinha, em Belô, curtia a família, os filhos, os netos e alguns amigos do bairro, entre eles um cara muito bacana, o Fabrício, sujeito enorme, 180 kg de muita simpatia e inteligência privilegiada.

Uma tarde, batendo um papo no “Capitão Cauteloso”, o bar do Seu Mauro próximo às nossas casas, reduto de cinéfilos, músicos, boêmios e intelectuais, o Fabrício me surpreende com mais uma de suas idéias:-

“- Betão, tou querendo fazer uma coisa diferente este ano, sabe?”

“- Como assim?”, indaguei do mesmo.

“- Tou bolando um livrinho, pequeno, mas de conteúdo espetacular:- falo de uma viagem cósmica ao Planeta dos Anéis, Saturno, no qual eu narro as minhas experiências e a vida que se leva por lá, sabe?”

“- Ora, Fabrício, deve ser interessante! Ficção interplanetária, né mesmo?”

“- Aliás, já tenho alguma coisa redigida. Quer ver? Você pode até me ajudar nisso, fazendo algumas correções, sugerindo algo, etc. . Precisaria também de alguém que fizesse alguns desenhos para ilustrações ...”

“- Tá legal, pode contar comigo. Quanto aos desenhos, minha filha Ana Claudia, de Jundiaí/SP, poderá fazê-los. Ela é genial, muito criativa. Mando-lhe o original da história e ela devolve com os desenhos, pode ficar tranqüilo.”

E assim foi. Dentro de algum tempo, o Fabrício tinha em mãos os originais do seu livro, com pequenas anotações nossas e as ilustrações feitas pela minha Princesa Ana, aliás uns desenhos magníficos, com os tipos de saturnianos criados pela minha filhota.

Imprimidos 3.000 exemplares do folhetim, o Fabrício distribuiu-os em duas bancas de jornais de um amigo seu, para venda, mas faltava a divulgação do livrinho, importantíssima no ramo editorial. Peguei alguns livretos para isso e tive a feliz idéia de remeter um exemplar para a produção do PROGRAMA DO JÔ SOARES, em São Paulo. Eu tinha lido na revista “VEJA” que o famoso programa estava sendo remodelado e breve retornaria à grade da “Globo”, em nova formatação, etc. . Mandei e avisei ao Fabrício que tinha dado o seu endereço e telefone para contatos. Junto ao livro, mandei uma cartinha simples, dirigida ao Jô, como se eu fosse o Fabrício, dizendo que gostaria de ter uma conversa “de gordo pra gordo” com ele, no seu programa, falando sobre a criação literária.

E não é que, passados uns dez, doze dias, ligaram de São Paulo pro Fabrício? Ele atendeu, ficou todo assustado, pensou que fosse trote, e depois correu à minha casa com a notícia:-

“- Betão, você falou com alguém sobre isso? Quem mais sabia, além de nós? ...”

“- Ninguém, Fabrício! Só nós dois e a minha mulher estamos sabendo. Não deve ser trote. É da produção do Jô mesmo, cara!”

Mais uns dias, novos telefonemas de São Paulo, outros do Rio de Janeiro, e após alguns contatos, tudo combinado:- faríamos a gravação nos estúdios da “Globo” em Sampa, dentro de uma semana.

Finalmente, o esperado momento chegou:- a “Globo” enviou passagens aéreas, forneceu instruções, seríamos aguardados em Congonhas por funcionário credenciado da emissora, motorizado, iríamos direto para os estúdios, em Moema, almoçaríamos por lá mesmo e faríamos a gravação no mesmo dia, à tardinha. Tudo certo, entramos em contagem regressiva para o embarque. A notícia se espalhou rápido, amigos do Fabrício providenciaram uma faixa enorme e colocaram defronte à sua casa, na Rua Tapira :- “Fabrício, o mérito é seu mas o orgulho é nosso:- Parabéns pela entrevista no Jô Soares.” O “Boeing” da GOL aterrisou em Congonhas e descemos no aeroporto, onde logo vislumbramos um rapaz com blusa da “Rede Globo”, empunhando um cartaz onde se lia em letras garrafais:- “FABRICIO E ROBERTO” . Apresentamo-nos e fomos encaminhados à camioneta “Blazer – GM”, seguidos pelos olhares curiosos das pessoas.

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Nos estúdios fomos recebidos pelo Gerente Administativo, Dinho, que foi de uma simpatia cativante:- mostrou-nos todas as instalações, levou-nos ao restaurante, ao bar e a seguir nos acompanhou até o nosso camarim, dizendo que poderíamos almoçar. A gravação seria às dezessete horas e alguém viria nos apanhar. O Fabrício, emocionado, só dizia:-

“- Betão, me belisca, por favor! Eu não acredito, não acredito! ...”

“- Pois pode acreditar, amigo. E se prepare para grandes emoções, logo mais.”

Lavamos os rostos, escovamos os dentes, endireitamo-nos e saímos pro restaurante. Um local de porte médio, muito charmoso, um “self-service” de primeira qualidade. Mesinhas conjugadas para duas e quatro pessoas, um entre e sai de gente famosa, celebridades, funcionários exibindo crachás, tudo muito organizado. Pegamos nossa refeição e nos sentamos ao lado de quem? Adivinhem! De Sandra Annemberg e seu marido Ernesto Paglia. Anotei alguns nomes conhecidos do grande público, como Carlos Nascimento, Ana Paula Padrão, Cleber Monteiro, Marilena Godoy, o músico Derico e outros.

Após o almoço, saboreamos um cafezinho ao lado de famosos e depois nos dirigimos ao nosso camarim, para um descanso merecido.

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Mais tarde saímos, demos uma circulada pelas imediações, vimos o grande salão dos maquiadores, alguns atores sendo preparados, uma barbearia onde Serginho Groisman cortava os cabelos, o setor das roupas e figurinos, um espaço acústico para ensaios musicais (Derico e seus músicos ensaiando) e fomos a um orelhão, ali mesmo, para falarmos com os parentes em Belo Horizonte, contando as novas. A cambada delirou! ...

De novo voltamos ao camarim, onde o Fabrício novamente me pediu que o beliscasse. Sua ficha ainda não havia caído. Tomamos uma água e procuramos relaxar um pouco daquela maratona de deslumbramento.

Bateram à porta do camarim. Abri e era um garçom com frutas e sanduíches. Falou que no “freezer” encontraríamos água mineral e refrigerantes. E que mandaria uma moça para pegar as roupas pra passar a ferro (calças, camisas, etc.). Logo, logo ela veio e saiu com as peças, que foram devolvidas minutos depois no capricho, com a lembrança de que às dezessete horas viriam nos buscar para a gravação.

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Dezessete horas em ponto, pancadas discretas no camarim e era um funcionário da emissora se apresentando e nos conduzindo para os estúdios de gravação. Saímos empolgados, o Fabrício mais nervoso do que nunca, eu atrás dando pancadinhas nas suas costas e falando como aqueles treinadores de boxe, a caminho do ringue, para animá-lo:- “- Vai lá, campeão! Vai firme!” E ele respondia, “- Eu não acredito, não acredito! ...”.

Passamos por vários corredores do estúdio, muitos fios, cabos, refletores, gente indo e vindo, vozes num crescendo e ... ei-nos no meio do auditório do Programa do Jô, completamente lotado. Parece que só faltava a gente! Fomos conduzidos à primeira fileira de cadeiras, onde já estava a Luciana Melo, outra convidada da noite. Era um ensaio geral para a gravação que viria logo a seguir.

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O Jô Soares, elegantemente trajado, abriu seu programa falando sobre a guerra do Iraque, que estava só começando. Falou por um telão com um jornalista e um fotógrafo da “Folha de São Paulo”, diretamente do Iraque, e cenas dos primeiros bombardeios americanos sobre Bagdá foram vistas com exclusividade.

A seguir, após o intervalo comercial, o famoso entrevistador anunciou seu convidado de Belo Horizonte, Minas, Fabrício Oliveira, o planetólogo que visitou Saturno. O auditório aplaudiu e o nosso herói se encaminhou com seus respeitáveis 180 kg para o palco, onde o Jô, com muita simpatia, o recebeu.

A conversa entre os dois foi muito interessante, com o Jô querendo saber tudo sobre o processo de abdução para viagens cósmicas, utilizado pelo Fabrício para sua visita a Saturno. O Fabrício respondeu e fez com que o comunicador, inclusive, lesse para o grande auditório trechos do seu livro “A Vida em Saturno”, tais como “definição física dos saturnianos”, “zoaspiração retólica” (aproveitamento dos gases intestinais para geração de energia em Saturno), “alimentação”, “armamentos”, “comunicações em Saturno” e “sexo e reprodução”. O Jô, com seu apurado senso de humor, fez com que todos nós déssemos muitas risadas com situações criadas por ele com respeito a alguns capítulos do livro, mormente o da “zoaspiração retólica”. E o Fabrício, outro gozador, não ficava atrás.

No final da entrevista, o Fabrício pediu licença para agradecer-me pela divulgação do livro e pela idéia de remetê-lo ao Jô Soares (no que o Jô perguntou:- “- Roberto, cadê você? ...” – Ergui-me, acenei pra ele e respondi com meneios de cabeça às palmas do auditório), agradeceu também à minha filha Ana Claudia pelas ilustrações e o apresentador encerrou a participação do Fabrício com aquele seu clássico “eu conversei aqui com o famoso planetólogo mineiro, Fabrício Oliveira ...”

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Outro intervalo comercial entrou no ar, quando veio um funcionário da emissora buscar-nos e acompanhar-nos até o nosso camarim. Nossa participação estava encerrada. Explicou que o programa iria ao ar à meia-noite daquele dia mesmo, o que bastou para nova corrida nossa ao orelhão telefônico. Após um lanche no camarim, fomos levados de carro até um hotel nas proximidades do estúdio (Moema), sendo-nos informado de que no dia seguinte, às nove horas, um carro da “Globo” viria pegar-nos para levar-nos ao aeroporto, de volta a Belo Horizonte.

No hotel, tomamos uma bela ducha, bebemos champanha e ficamos até tarde vendo a gente mesmo no Programa do Jô Soares, rindo alto e conversando bastante, curtindo tudo

aquilo como se fosse um sonho de uma noite de verão! ... E foi, só que materializado!

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B.Hte., 12/10/06

OBS:- o referido Programa Jô Soares foi exibido pela “Globo Internacional” para vários países, sendo visto na Europa, Estados Unidos, Japão e outros lugares do planeta (não sei se teria chegado também ao Planeta Saturno ...). O Fabrício acabou sendo convidado, em Belo Horizonte, para um bate-papo num programa do Canal 26 (TV a Cabo), além de entrevistas em programas radiofônicos. O livrinho vendeu bastante nas tais bancas da Praça Sete e acabou esgotado. O gordo promete novas histórias.

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RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 25/09/2009
Código do texto: T1830467
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