Criado na roça!!!
Setembro chegando ao seu final, a primavera já pedindo licença para ocupar o lugar do inverno, que por sinal não tem direito algum de reclamar, as folhas renovando-se nas árvores, as flores colorindo a paisagem, os dias começando a ficarem mais longos, as pessoas voltando a sorrir e os pássaros cantando as suas canções. È a estação que antecede o verão, por isso toda essa alegria da natureza, mas tem um detalhe que torna essa época muito melhor, na roça as pessoas estão em festa, afinal chegou o tão aguardado tempo do plantio do milho, a terra preparada uma semana antes, começa a receber as sementes, com o mato cortado e o solo arado, os grãos são recebidos de braços abertos, cada um é a certeza de uma bela espiga, o suor escorrendo do caipira apenas deixa mais fértil aquela terra abençoada, os calos na mão mostram o esforço do seu trabalho, que ele sabiamente entende que será recompensado.
Mas o mais legal mesmo são os moradores da cidade, que possuem a sua chacrinha e não querem ser exclusos dessa festa, simplesmente precisam participar do ritual, e para isso se preparam como verdadeiros produtores.
- É pessoal está na hora de encher a minha chacrinha de milho!!!
- Como assim Zé, por acaso você sabe plantar milho?
- Claro, fui “criado” na roça!!!
- Então na colheita chama a gente.
E aí, vocês já sabem, esses principiantes plantadores de milho acham que não existe nada mais fácil do que abrir a terra e “jogar” algumas sementes lá dentro, passa a semana comentando no serviço, até parecem profundos conhecedores da técnica, mostram as suas mãos com bolhas de sangue e calos e se orgulham, o dedão, onde bateu a ponta da enxada todo enfaixado, a pele de “escritório”, castigado pelo Sol, as costas doem só de respirarem, em casa a mulher está toda aleijada e as unhas do pé ainda com vestígios do tal plantio.
Vão toda semana, querem ver de perto o resultado do trabalho, e se orgulham ao verem os primeiros brotos, já planejam convidar os colegas e se deliciarem com as pamonhas, os curaus, os milhos assados ou cozidos e os bolos de milho. O problema é que os pezinhos de milho mesmo depois de dois meses não parecem muito desenvolvidos, olham para os dos vizinhos e estranham tamanha diferença, e não entendem:
- Ô benzinho parece que o nosso milho não vai dar nada.
- Calma mulher, vou comprar “uns” adubos e jogar, você vai ver a diferença na próxima semana.
- Tem certeza?
- Claro, fui “criado” na roça!!!
A confiança da esposa já não é a mesma do cara, ele ainda está otimista, e precisa, pois convidou todos os colegas para a colheita, vai à cidade e compra uma enxurrada de adubos e fertilizantes, volta até a chácara com os produtos na mão e mais uma vez pede a participação da mulher:
- Agora vai, de acordo com o vendedor é só “misturar” tudo e espalhar sobre a terra.
- Tem certeza?
- Claro, na verdade eu já sabia, mas não lembrava. Esqueceu que fui “criado” na roça?
E dessa maneira o tempo vai passando, o milho todo “encruado”, começa a preocupar, já não sabe mais o que fazer, adubou, carpiu, molhou, e nada, voltam a olhar para o lado e as primeiras espigas começam a aparecem no bonito milharal, os seus colegas de serviço, perguntam quando podem ir ajudá-lo na colheita (mal sabem que nem saíram do chão os pezinhos de milho). O Zé procura algumas desculpas que possa justificar a demora, coitado não sabe o que fazer.
- Mulher preciso de alguma ideia, o pessoal do serviço, está estranhando a demora do nosso milho.
- Mas Zé, não entendo você, diz que foi criado na roça. E mal sabe plantar um milho? Essa semana vai até o vizinho e explica a situação.
- Acho que vou fazer isso mesmo.
No sábado seguinte, chegam os entusiasmados colegas com suas respectivas esposas, todos preparados para a colheita, o Zé os aguarda com o sorriso no rosto, e os encaminham para o lindo milharal, os seus colegas que até esta semana tiravam sarro, ficam boquiabertos com o tamanho das espigas, à noite com as suas mulheres fazendo as delicias com o resultado da colheita, os colegas do Zé, todos devidamente exaustos, elogiam a plantação e começam a planejar a participação do plantio do próximo ano. Contente, o Zé, piscando disfarçadamente para a mulher, apenas diz com um sorriso no rosto:
- Pô pessoal, fui criado na roça!!!