TESTEMUNHO DE MACHISMO

TESTEMUNHO DE MACHISMO

Anos 50

São Gabriel, dia muito quente, 28 de janeiro de 1957.

Mamãe disse que estava na hora e papai me mandou correr para chamar a “vó” Chininha, a parteira mais conhecida e que fizera alguns dos partos de minha mãe. Eu era pequena. A mãe estava imensa em sua gravidez. Sabia da responsabilidade e nem pisquei, correndo a caminho da casa dela e depois na volta junto com ela.

Chegamos, a mãe já estava no quarto. O pai, levando uma imensa bacia com água, depois com uma chaleira de água quente, entrou com a parteira, no quarto e fecharam a porta. No quarto, ao lado, separados da cena apenas por um roupeiro que vedava a entrada direta no quarto dos pais, a gente brincava e esperava para ver o que acontecia.

Daqui a pouco, foram gemidos de dor e logo... chorinho de nenê, afinado e alto. Depois alguns barulhos e um infinito silêncio.

Nem nos mexíamos, querendo saber o que acontecia. Esperando ansiosas. Nenhuma de nós ousaria entrar no quarto sem permissão.

Quando o pai saiu do quarto disse-nos que o bebê estava bem e era mais uma guria, ficávamos agora em oito mulheres e um homem. Não se traiu, se queria um menino, não deixou perceber. Ah! E se queria! Ficou querendo.

Ele foi para a cozinha fazer um caldo de galinha. Um caldo dos deuses. Papai cozinhava bem quando precisava. Primeiro serviu para a mãe, depois para as crianças já famintas e à espera. Depois do almoço, pediu que eu fosse à casa de vovó Maria Antônia, mãe de nossa mãe, para dar-lhe um recado.

O pai mandou que dissesse à vovó: - nasceu mais uma criadinha, às ordens!

Saí matutando o que era criadinha, e porque não uma guria, uma mulher, nunca ouvira aquela palavra e fui repetindo caminho afora para não esquecer. Acho que começava a entender que as palavras têm sentidos diferentes dependendo do texto. Era pequena demais para entender tudo, fruto do machismo das circunstâncias. Aliás, nem sei se sabia o que era palavra.

Dei o recado e a avó, que, meio em desconsolo, disse: - Muito bem! Pena que não nasceu um varão – lembro direitinho da cara dela. Depois soube como era importante para eles, daquela época que nascessem filhos homens.

Eu também não sabia o que era um varão, mas deviam ter os seus códigos da época e eu, era tão pequenina. Estava bem com mais uma irmãzinha. Era lindo ver nossa casa cheia de meninas.

Vovó me deu um café com pão e manteiga e me mandou voltar para casa, que eles podiam precisar de mim.

Eu fui, não sem antes perguntar à avó o que era criadinha e o que era varão. Ela respondeu do seu jeito e eu fui embora... mais culta.

Continuei a perguntar-me porque mulher era criadinha e homem não era criadinho, era varão. Sem resposta. Hoje eu chamaria a atitude deles de machismo.

A irmazinha muito linda e fofa recebeu o nome de Leoni, foi a última mulher na geração. Depois vieram dois varões. Ieda Cavalheiro - Pelotas, 24 de setembro de 2009.

Ieda Cavalheiro
Enviado por Ieda Cavalheiro em 24/09/2009
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