Qual é a graça?

Abriram a porta e, um a um, os doutores invadiram o quarto.

-Hoje tem palhaçada?

-Tem.

De trás dos cabelos surgiam flores, pirulitos, confetes. Claves bailavam no ar. Balões de gás transfiguravam-se em pombinhas brancas.

-Hoje tem marmelada?

-Tem, sim.

Pouco sabiam a respeito de esperança, menos Pablo. Compreendia muito bem o significado de tal palavra, que já não fazia parte do seu vocabulário.

-Hoje tem goiabada?

-Tem, sim senhor.

A timidez paulatinamente dava lugar à descontração. Os pacientes confraternizavam risos numa alegria febril e o ambiente descaracterizava-se.

-E o palhaço, o que é?

-Ladrão de mulher! repetiam em coro.

Não havia espaço para mais nada que não dissesse respeito à alegria, mas não para Pablo, que sabia estar caminhando para a morte. Já não tinha cabelos, o tratamento fizera com que caíssem, e seu corpinho não firmava. O câncer corroia suas vísceras dia a dia. Agonizava.

-Pablo! chamou-lhe a mãe.

Era seu primeiro dia de aula. Acordou assustado. Não achou a mínima graça.

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 24/09/2009
Reeditado em 24/09/2009
Código do texto: T1829298
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