Qual é a graça?
Abriram a porta e, um a um, os doutores invadiram o quarto.
-Hoje tem palhaçada?
-Tem.
De trás dos cabelos surgiam flores, pirulitos, confetes. Claves bailavam no ar. Balões de gás transfiguravam-se em pombinhas brancas.
-Hoje tem marmelada?
-Tem, sim.
Pouco sabiam a respeito de esperança, menos Pablo. Compreendia muito bem o significado de tal palavra, que já não fazia parte do seu vocabulário.
-Hoje tem goiabada?
-Tem, sim senhor.
A timidez paulatinamente dava lugar à descontração. Os pacientes confraternizavam risos numa alegria febril e o ambiente descaracterizava-se.
-E o palhaço, o que é?
-Ladrão de mulher! repetiam em coro.
Não havia espaço para mais nada que não dissesse respeito à alegria, mas não para Pablo, que sabia estar caminhando para a morte. Já não tinha cabelos, o tratamento fizera com que caíssem, e seu corpinho não firmava. O câncer corroia suas vísceras dia a dia. Agonizava.
-Pablo! chamou-lhe a mãe.
Era seu primeiro dia de aula. Acordou assustado. Não achou a mínima graça.