Mediocridade e Extremos
A todo momento escutamos dizer que fulano é medíocre ou que tal obra é medíocre.
E o uso deste adjetivo, sempre relacionado ao que há de pior, consagrou o seu significado pejorativo.
Pois bem, vejamos o que diz o Houaiss -- e, para efeito desta crônica, irei me ater a uma acepção apenas, a primeira, e à sua etimologia.
Medíocre:
adjetivo de dois gêneros
1. de qualidade média, comum; mediano, meão, modesto, pequeno.
Exs.: salário m., condição m.
vida m., espírito m.
Etimologia:
lat. mediocris, e 'medíocre, mediano, médio; moderado, modesto'
Isso me leva a pensar que, ao contrário do que imaginamos, o medíocre encontra-se entre os dois extremos -- o muito bom e o muito ruim. Isto só pra mencionar a sua aplicação em relação à qualidade ou aos atributos de algo ou de alguém.
Considerando-se que o ser humano, em geral, seja mediano nos vários campos e ramos da vida, ora mais próximo de um, ora de outro extremo, podemos afirmar que todos somos medíocres, salvo raras exceções -- pra cima ou pra baixo.
Considerando-se, ainda, que todo mundo pode vir a ser excelente nesta ou noutra habilidade, podemos afirmar que todos somos medíocres, exceto naquilo que fazemos ou em que estejamos acima da média.
Ou abaixo, no caso daquelas habilidades que nos parecem impossíveis. Por exemplo, uma pessoa pode ser ultra-habilidosa pra um monte de coisas, mas não conseguir desenhar uma linha que seja ou cantar uma simples nota musical.
Os gênios, nas ciências e nas artes, são seres raros. E ainda bem que são, porque é sabido que eles na vida pessoal costumam ser muito difíceis e até mesmo intratáveis. Por isso a maioria deles tem ou teve uma vida solitária, ainda que casados ou vivendo com outras pessoas. Basta ler suas biografias ou ouvir o relato de quem tenha convivido com algum deles.
É compreensível que assim sejam, porque ser excelente -- de modo extremado -- no que se cria ou se faz, exige muito estudo, dedicação e concentração, além do inegável talento. Ninguém é muito bom em algo sem ter se dedicado bastante e por longo tempo àquilo, de modo que não sobra muito pra quem ou o que esteja à sua volta.
E relevamos tudo isso, com gratidão e reverência, quando escutamos uma fuga de Bach, uma sinfonia de Beethoven ou uma sonata de Mozart; quando vemos um quadro de Da Vinci ou de Van der Meer; quando lemos um Shakespeare, uma Clarice Lispector, um Leminski; quando admiramos uma obra de Gaudi, um design de Phillip Stark, um jardim de Burle Marx, um painel de Athos Bulcão; quando, mesmo sem compreender, entendemos que as teorias de Newton ou de Einstein possibilitaram avanços incalculáveis à ciência e trouxeram muitos benefícios à humanidade.
Mas, artes e ciências à parte, passo a analisar outros extremos -- os que ocorrem no campo comportamental.
Dificilmente acharemos quem não concorde que é bastante desagradável e até perigoso se conviver com pessoas dadas aos extremos.
Os muito certinhos e metódicos, críticos e exigentes, nos enlouquecem com suas intransigências e chatíssimas assepsias. Por outro lado, os excessivamente relaxados e desorganizados, bagunceiros e irresponsáveis, não apenas nos enlouquecem como nos prejudicam no mais das vezes.
Os muito bonitos e atraentes, admiráveis e invejáveis à distância, nos constrangem quando muito próximos. Sem contar que deixam seus parceiros amorosos bem inseguros, dado o assédio e a concorrência. Assim também os muito feios e desajeitados nos constrangem, não queremos muita proximidade, por vergonha, por repulsa ou por pura desumanidade.
E assim por diante -- os que estão constantemente muito alegres e esfuziantes demais, não importa a circunstância, em contraposição aos sempre soturnos e deprimidos; os megavirtuosos e santarrões em oposição aos diabolicamente maus e perversos; os hiperprofissionais e os superpicaretas, os pais extremamente rígidos e os excessivamente liberais, o namorado ultraciumento, possessivo, e o friamente indiferente; enfim, todos estes extremos perturbam a ordem natural das coisas e a tranquilidade na vida, causando-nos um pra lá de indesejável desconforto e prejuízo.
Portanto, pelo menos no campo comportamental, viva a mediocridade, a medianidade!
A mola muito comprimida fica curta. Ao liberá-la, ela salta e se distende ao máximo. E só reassume suas dimensões reais quando em repouso. Ela precisa comprimir-se e se distender para cumprir suas funções. Mas se não lhe dermos algum repouso de vez em quando, logo ela se desgasta e pára de funcionar.
Como diz o tal do Tao, bom mesmo é o caminho do meio, ou seja, o equilíbrio.
E sem equilíbrio não há o que fique íntegro e em pé.
<-- O -->