A dor é atraente
Quem são as pessoas de que o coração não se esquece?
Aquele menino ruivinho, cheio de sardas, cara cheia de espinhas e sem graça que se declarou pra você na puberdade?
Claro que não! Nem deu ouvidos à sua declaração, zombou das flores que ele lhe colheu e de sua abordagem, afinal você estava ocupada demais babando pelo moreno alto, rebelde sem causa, o rapaz mais velho da turma (repetente), com suas calças folgadas de barra suja se arrastando pelo chão e com a cueca a mostra que você achava despojado, ele é lógico que ignorava a sua existência e assim permaneceu fazendo por todo o período do ginásio, até ele engravidar a menina mais populr do colégio e os seus pais lhe obrigarem a trabalhar.
Sim, porque o que fica arraigado no coração são as flechadas e não os acalantos que recebe. O que não nos sai da lembrança é o "não" que ficou ecoando como zunido de dezenas de abelhas ao redor da cabeça e a sensação torturante de que se fizer qualquer movimento vai ser picado e isso vai doer um bocado, ah se vai...
O coração guarda as noites de insônia, em que tudo que desejavámos era enterrar a decepção na noite.
Qual a categoria mais premiada com o Oscar? A que mais envolve as pessoas ao redor de todo mundo e desde sempre? (Sim. Em todo o mundo, porque não é privilégio dos sub-desenvolvidos esse apreço pelo sofrer, muito embora a gente sempre fique com essa impressão, especialmente logo após os resultados das urnas, ai mesmo é que sentimos com convicção: Gostamos de padecer mais do que qualquer outro povo no mundo!)
São os filmes dramáticos! Porque afinal de contas, alguém tem de morrer. Alguém precisa chorar. Antes de alguém ser feliz, precisa sofrer, apanhar, e que seja um bocado de preferência. Se não for assim dizemos que o enredo do filme é fraco, que não seduz o espectador.
Nos discursos de Miss qualquer coisa em qualquer parte do universo, já percebeu como as modelos ficam kilos mais lindas depois que narram tragédias familiares? A miséria que foi submetida na infância, o esforço de um pai lavrador pra sustentar a família, ou a menina órfã abandonada que passou fome até encontrar um casal generoso que lhe ajudasse a sair das ruas... E é assim, a cada capitulo mais pesaroso que ela menciona mais um kilo de beleza, de elegância, simpatia... Nos discursos políticos em geral a coisa é bastante semelhante. É só a criatura lhe fazer sentir compaixão e algo dentro de si já se move dizendo: - "tadinho, ele merece".
Ah, e a literatura? Quem consegue imaginar a literatura sem dor?
Acha mesmo que Shakespeare teria alguma fama, não fosse Otelo ficar obssecado pela "traição" de Dêsdemona? E se Romeu e Julieta de repente conseguem com dialógo convencerem suas familias, se casam e têm uma familia unida, linda e feliz para sempre?
Fosse assim, hoje sequer saberíamos quem é Shakespeare.
A literatura de Shakespeare se alimenta de tragédia, de dor, inveja, sofrimento, de pessoas tragando-se umas as outras, e dessas coisas que nos são tão peculiares.
A doença mais antiga do mundo de que se tem conhecimento é a lepra (Hanseníase) é causada por um bacilo que afeta os nervos causando-lhe danos. Esse bacilo causa a insensibilidade da pele, ele mata o sentir. A dor é o primeiro estalo ao corpo de algo acontece de errado e que se há de precaver, sem essa sensação todo o sentir é morto. A dor é uma dádiva na medida em que ela te impulsiona a favor da vida.
Então... se eu gosto da dor? Eu não saberia viver sem dor. Ninguém gosta de sentir dor, mas a gente se apega a ela de alguma forma. É preciso que ela esteja ali por perto pra te lembrar que ser feliz tem um preço, e que é bom se agarrar bem firme à vida.
Eu disse sim, que ele me causava dor às vezes, mas dói também sem ele aqui.
Eu não costumo mesmo fazer sentido, ele sabe que sou contraditória, então que tal, Deus se ele voltar logo pra mim, que eu não quero ter um "gran finale", fico feliz com um bem clichê mesmo, desde que seja com ele por perto (e a dor a tira-colo).