Emília..., Emília..., Emília
Emília..., Emília..., Emília
Tudo ficou diferente! Um pouco mais triste? Um pouco mais “desumanizado”? Um pouco mais solitário? Desde o mês de julho, mesmo tendo bem a frente dos meus olhos, tantos outros amores; divago, falo, escrevo, estudo, penso, respiro, sonho, transpiro; os sonhos dele! O Sítio do Pica-pau Amarelo sempre foi o quintal da minha casa. A porteira, escancarada no seu sorriso rangente, sempre me esperou de braços abertos. Os biscoitos amanteigados como em um passe de mágica sumiam na minha boca. Boca de criança esfomeada e irrequieta.
Queria sempre mais! Um dia o Hércules em pessoa abaixou no meu “Sitio”, e atenção, o Pica-pau, também era de todos. Fiquei obcecada, assim como; Pedrinho, Emília e Visconde pela força e pelo seu desempenho nos seus doze trabalhos. Ainda crédula pela pouca idade tinha certeza absoluta: “Monteiro Lobato o havia conhecido e também, convivido com o herói para escrever tão minuciosamente sobre os seus feitos gloriosos”.
Mas, foi em “Reinações de Narizinho”, junto aos personagens de Narizinho, Pedrinho, Emília, Visconde, Rabicó, Quindim, Nastácia, o Burro Falante, a Cuca, o Saci... , que me apoderei dos personagens e eles de mim! Monteiro escreveu para mim! A minha realidade fundia com a imaginação. E, lá, nas suas histórias, me encontrava imersa na sua linguagem literária.
Através do pó mágico fiz uma viagem ao céu e adivinhe..., encontrei o São Jorge empanturrado, com uma baita barriga, de tanto comer os bolinhos da tia Nastácia. Com o nosso passeio interplanetário divaguei com a Emília, Pedrinho, Narizinho; no momento em que, ele, o próprio “Anjinho da Asa Quebrada” apareceu! O que fazer? Como consertar a sua asa?
Nossa! O que é aquilo: Um grilo? Uma formiga? Uma pulga? Não! É a Emilia, me arrastando pelas mãos a procura da chave do tamanho. O que? Tenho dois centímetros de altura? Nossa? O mundo agora é de gigantes? Neste ir e vir, neste vir e ir..., damos de encontro com Hans Staden em sua busca por mais aventuras, lá pelos lados da floresta tropical do Sítio. Camuflado na mata um tupinambá esfrega as mãos e lambe os beiços sentindo o gosto de um alemão assado.
Tenho a sensação de ver a Emília correndo atrás das gordas galinhas do terreiro do sítio, armada com um cabo de vassoura imitando D. Quixote de la Mancha, e a sua lança! Tia Anastácia em desespero, coloca a mãos cintura, abana o avental branco, e ainda, sem saber o que fazer com a boneca espevitada, a julga uma louca, e, a prende em uma gaiola, tal e qual aconteceu, lá pelos lados do famoso herói espanhol.
Soltei o verbo ao escutar:
– Pedrinho – disse Emília um dia depois de terminada a lição –, por que, em vez de estarmos aqui a ouvir falar de gramática, não havemos de ir passear no País da Gramática?
Assim, aprendi a fazer de conta pelas mãos de Monteiro Lobato na voz da Emília. Ontem, ao chegar de uma reunião em que montamos as diretrizes de outro Sarau Literário Lobatiano, mas, agora para as crianças fico consternada e choro, ao ler a notícia da morte da minha Emília!
Sim, outras Emílias, me acompanham desde a infância até a fase adulta, sempre juntas nas salas de aulas, nas leituras do meu filho, nos saraus literários, nas cenas televisivas do Sítio do Pica-pau Amarelo, contudo, a minha Emília, sempre foi a birrenta, a espevitada, a pernóstica, a teimosa..., a inventiva..., Emília, personificada pela atriz global Dirce Migliaccio.
Nestes 22 de setembro, escrevo uma estrofe de um poema de Fernando pessoa enviada por um companheiro da literatura, lhe faço assim, um tributo para relembrar a importância da sua Emília, Caríssima Dirce Migliaccio, em minha vida e nas várias gerações a seguir:
“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou”.