ROUPAS NO VARAL

Há dezessete anos, quando eu ainda trabalhava, todos os dias saia no mesmo horário, pois mesmo aposentada, fazia questão de chegar sempre na hora no escritório. Pegava o Metrô rigorosamente na mesma hora e sentava no lado direito do trem e em sentido contrário ao seu destino, pois assim visualizava o que ia ficando pra trás e tinha uma visão mais ampla de todo o bairro, com seus prédios antigos e muitos outros em construção. O Carandiru marcando a paisagem com suas janelas gradeadas, através das quais se imaginava a existência de uma população fora da lei, infelizes criaturas ali trancafiadas, pagando pelos seus crimes contra a sociedade. Acontece, porém, que entre as estações Tietê e Armênia, em direção oposta ao Carandiru em uma área de serviço de um apartamento daqueles prédios antigos, com pintura desgastada pelo tempo, estava sempre uma jovem mulher lavando roupas no tanque. Sei que eram roupas de bebê, pois um dia a vi chegar na área com uma criancinha no colo e colocar alguma coisa na lavanderia. Pois bem, todas as manhãs eu passava de Metrô e sentada na mesma posição, via aquele quadro enternecedor, de uma jovem mãe lavando as roupinhas do seu nenê e imaginava com quanta ternura ela cuidava das minúsculas peças, todas ainda, guardando o cheiro gostoso de seu filhinho, ou até mesmo o cheiro acre de suas golfadas depois da amamentação. Quanto amor e carinho deviam estar estampados em seu rosto, quando tinha nas mãos aquelas roupinhas que envolveram o corpinho, os bracinhos e as pequeninas pernas daquele ser tão esperado, fruto, certamente de um amor profundo entre duas criaturas.

Todos os dias, à mesma hora, via aquela cena de sempre e cada vez me parecia mais bela, muito embora a sua moldura fosse paredes desgastadas, os telhados sujos de um velho prédio de um bairro antigo. Porém a beleza que emanava dele era de ternura, amor e o desvelo de uma mãe pela sua cria.

Não sei precisar quantas semanas se passaram em que eu ficava naquela contemplação muda de apenas alguns segundos, enquanto o trem me levava ao trabalho, para a realidade da vida. Um certo dia, busquei aquela imagem de mãe naquela área de meu encantamento e em lugar dela havia um móvel branco, que ao longe percebi ser uma máquina de lavar roupas. Desolada percebi que do lindo quadro que me encantou, restaram apenas as roupas no varal.

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 23/09/2009
Reeditado em 29/09/2009
Código do texto: T1826539
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